Uma organização criminosa que tinha como foco desviar recursos da Empresa de Serviços, Obras e Urbanização (Esurb), subordinada à Prefeitura de Montes Claros (MG), foi alvo da operação Tolerância Zero, que começou a ser realizada nesta quarta-feira (14) e ainda está em andamento nesta quinta (15). Segundo as investigações, o esquema era controlado pelo prefeito afastado Ruy Adriano Borges Muniz (PSB) e tinha ainda a participação de funcionários e familiares dele, além de servidores públicos e empresários.
As investigações foram feitas pela Polícia Civil e Ministério Público de Minas Gerais. Já foram presos o secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Agricultura, Leonardo Andrade, e o presidente da Esurb, Cristiano Dias Júnior. Estão foragidos o prefeito afastado e o filho dele, Ruy Gabriel Muniz.
Muniz, que é candidato à reeleição, foi elogiado pela esposa durante a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Na ocasião, Raquel Muniz destacou a gestão do marido ao proferir o voto. “Meu voto é em homenagem às vítimas da BR-251. É para dizer que o Brasil tem jeito, e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com sua gestão”.
Em nota, a assessoria de comunicação afirmou que a defesa das famílias solicitou vistas ao processo, do qual ainda não teve acesso. Ainda segundo a nota, no tempo certo os fatos serão devidamente esclarecidos.
Ruy Adriano Borges Muniz (PSB), que já foi preso este ano em operação da PF, é candidato a reeleição ao cargo de prefeito em Montes Claros (Foto: Reprodução/Facebook)
Sobre o esquema
Segundo as investigações, a Esurb foi escolhida pelo grupo devido ao orçamento milionário que dispõe. Os recursos desviados eram, em tese, usados para a compra de combustíveis no Autoposto Amanda e Júlia LTDA, que também é alvo da investigação.
Para possibilitar a existência do esquema, o prefeito nomeou Leonardo Andrade e Cristiano Júnior, pessoas da confiança dele, para cargos estratégicos na administração municipal. Ambos são apontados como “laranjas”, de Muniz, figurando como sócios do conglomerado empresarial dirigido de forma oculta pelo gestor afastado.
Durante as investigações foi identificado que a frota de veículos da Esurb registrou um aumento considerável no consumo de combustível. Em janeiro de 2013, quando Muniz assumiu, a frota não chegava a consumir 15 mil litros; em fevereiro de 2014, o gasto ultrapassava 25 mil litros.
Além deste aspecto, em 22 de maio de 2013, o prefeito editou o Decreto nº 3.027/2013, que autorizava a Esurb a realizar a subcontratação de outras empresas para executar obras públicas, permitindo assim, de acordo com as investigações, a participação de empresários ligados ao esquema criminoso.
Para apenas dois empresários foram pagos R$ 7,5 milhões, que seriam referentes à locação de máquinas. Eles ainda foram beneficiados por outra irregularidade, a Esurb passou a assumir ilegalmente parte dos gastos com combustíveis e lubrificação dessas empresas.
Foi verificado também que antes da contratação das empresas ser efetivada, elas já tinham acesso ao fornecimento antecipado de combustível, que custou R$ 600 mil aos cofres públicos. Apenas em favor de uma delas foram gastos R$ 230 mil.
Três formas de cometer irregularidades foram verificadas na apuração: venda de combustível acima do real volume comercializado; cancelamento fraudulento do cupom fiscal e uso posterior para justificar aquisição inexistente de combustível; e simulação de despesa de emissão de registros de abastecimento pendentes realizados por terceiros em nome do órgão público.
O MPMG cita como exemplos abastecimentos feitos, que eram cancelados e constavam como pendentes. Posteriormente, os valores das notas eram destinados aos gastos da Prefeitura.
Lavagem de dinheiro
A partir das provas colhidas, a investigação aponta ainda que o Autoposto e o prefeito afastado agiam em comum acordo para usar o contrato estabelecido entre a empresa e o município, com os objetivos de desvio e lavagem de dinheiro público.
Durante o cumprimento dos mandados da operação Catagênese, realizada em março de 2015, foram apreendidos na sede do posto de combustíveis um contrato de compra e venda, datado de 22 de novembro de 2013, e contrato de confissão e parcelamento de dívida com garantia de avalistas, de 26 de setembro de 2013. Ainda havia uma nota promissória de R$ 1,5 milhão. Os documentos estavam trancados na gaveta do administrador do posto em um envelope com o timbre da Prefeitura Municipal de Montes Claros.
Segundo as investigações, o contrato de compra e venda, no valor de R$ 2 milhões, refere-se a um imóvel de 712m² situado em um terreno de 1.020 m², no Bairro Ibituruna, pertencente a mãe do dono do posto. Consta como comprador Ruy Gabriel Muniz, filho de Ruy Muniz. O prefeito afastado e a mulher dele, deputada federal Raquel Muniz (PSD), figuram como avalistas. Essa é a atual residência da família de Muniz.
O documento prevê ainda sinal de R$ 1 milhão, a ser pago em setembro de 2013, por depósito bancário. E determina ainda que o restante seja quitado em 36 parcelas de R$ 27 mil, a serem depositadas a partir de 22 de dezembro de 2013 com término no mesmo mês de 2016. Uma das cláusulas atribui ao comprador a responsabilidade pelo pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens e Imóveis (ITBI).
O pagamento exigido, em dinheiro, é uma forma de “lavar dinheiro” e uma estratégia para dificultar a ação dos órgãos de investigação.
Já no outro contrato, Ruy Muniz e Raquel Muniz aparecem como avalistas do filho, Ruy Gabriel, em uma dívida de R$ 1,5 milhão, da qual não consta detalhamento. Por meio desse contrato, o devedor e os avalistas se comprometem a pagar R$ 1,5 milhão em 22 de novembro de 2016 em favor do empresário; mesma data em que vence a penúltima prestação do contrato de compra e venda. Uma das testemunhas que consta no documento é Leonardo Andrade.
Ainda conforme as investigações, a nota promissória encontrada está assinada com Ruy Gabriel Muniz e o pai Ruy Muniz.
De acordo com as investigações, o real valor pago por Muniz pela casa, de R$ 3,5 milhões, foi superior ao estabelecido no contrato de compra de venda, de R$ 2 milhões. A diferença entre os valores seria uma tentativa de ocultar a origem dos recursos usados na negociação, reduzir a base de cálculo do TBI e sonegar os impostos incidentes sobre a transação milionária.
Prisões
As prisões foram determinadas pela desembargadora Márcia Milanez com os argumentos de que são fundamentais para a ordem pública, para a preservação da instrução criminal e para a garantia da aplicação da lei penal.
(Fonte: G1 Grande Minas / Reportagem: Michelly Oda)