Energia solar pode ser a redenção do semiárido mineiro

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Há mais de meio século, a seca aflige o semiárido brasileiro, região que engloba oito estados do Nordeste, além do Norte de Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha. Repete-se um cenário de desolação, que alia a pobreza do povo, a chuva escassa e o sol escaldante. Entretanto, o sol inclemente pode deixar de ser um vilão e se transformar na solução para essa população sofrida. No Norte de Minas, uma fonte energética limpa, abundante e renovável – a energia solar, especialmente a fotovoltaica – desponta como alternativa econômica e social.

O avanço que se obteve na utilização da fonte fotovoltaica nessa região se deve em grande parte ao arcabouço legal construído no País, e também em Minas Gerais, por meio de leis aprovadas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Alguns passos foram dados nesse sentido, sendo o último deles a sanção da Lei 21.713, de 2015. Oriunda do Projeto de Lei (PL) 1.350/15, de autoria do deputado Gil Pereira (PP), a nova legislação amplia o prazo para concessão de crédito de ICMS relativo à aquisição de energia solar no Estado.

Atenta a essa nova tendência, a Assembleia vai promover, no dia 4 de maio deste ano, das 9 às 18 horas, o Debate Público Energia de Fontes Renováveis, que trará especialistas, empresários e autoridades para abordar fontes de origem solar fotovoltaica, eólica, de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e de sistemas de cogeração. Além de debater o potencial de produção de eletricidade em Minas a partir dessas fontes, o evento pretende identificar as oportunidades de mercado e os entraves para a implementação desses processos. A iniciativa do debate também é do deputado Gil Pereira.

No Norte de Minas, a energia solar, especialmente a fotovoltaica, desponta como alternativa econômica e social – Foto: Ricardo Barbosa / ALMG

Nascido em Montes Claros (Norte de Minas), Gil Pereira ressalta a importância de transformar o sol num gerador de renda e riqueza para sua região. “Participei de um seminário na Alemanha e percebi que países com menor insolação que o nosso produziam muita energia fotovoltaica. Então, vi que nossa região tinha um potencial enorme para isso”, relembrou. O parlamentar lembra que, quando foi nomeado secretário de Estado de Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Norte de Minas, no final de 2011, a Cemig lançou o Atlas Solarimétrico de Minas, que ajudou na arrancada para a adoção da fonte fotovoltaica no Estado.

Naquela época, o então governador Antonio Anastasia montou um grupo de trabalho voltado para energias renováveis, visando elaborar novas leis ou aprimorar as vigentes sobre o assunto. “Estudamos áreas em que o Governo do Estado poderia dar incentivos. A proposta mais relevante foi a de isentar por 10 anos o ICMS de toda energia fotovoltaica, oferecendo benefícios fiscais para empresas que quisessem investir nessa fonte em Minas”, relembra Gil Pereira.

Desse grupo de trabalho, afirmou o parlamentar, surgiu a proposta de fazer um leilão para a geração fotovoltaica em Minas, no que o estado foi acompanhado por Pernambuco. “Mas seria importante também o governo federal promover leilões, só que, àquela época, havia muita resistência”, frisou Gil Pereira. Então, ele foi à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ao Ministério de Minas e Energia para mostrar a importância da realização de um leilão federal. O leilão é um processo de concorrência entre setores interessados em vender energia, promovido pelo poder público, para garantir o abastecimento do mercado consumidor nacional, no qual as empresas concorrentes dão lances oferecendo o insumo pelo valor que julgam adequado. Ao final, vence aquela que propuser o menor preço, ficando obrigada a fornecer a energia contratada ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Em 2014, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou o primeiro leilão de energia fotovoltaica, com geração de 1 gigawatt. Depois, foram realizados mais dois leilões, em agosto e novembro de 2015, cada um também com 1 giga. “Desses 3 gigawatts ofertados, Minas Gerais conseguiu 650 megawatts (MW) de energia, dos quais 240 vão para Pirapora (Norte de Minas)” comemorou Gil Pereira.

Legislação – Foi em 2012 que o Brasil despertou para seu potencial na geração solar fotovoltaica, iniciando a construção do marco legal que hoje dá sustentação a todos os projetos dessa natureza. Acompanhando o avanço federal, Minas Gerais também fez a sua parte, criando leis para regulamentar o setor no Estado.

Pirapora terá a maior usina solar da América Latina

Com um ambiente institucional e legislação favoráveis à implantação da energia fotovoltaica, Minas Gerais está sendo recompensada pelo esforço. Conforme contrato firmado com a Aneel, até 12 de agosto de 2017 estará funcionando em Pirapora a terceira maior usina geradora solar fotovoltaica do mundo e a primeira da América Latina. O empreendimento resulta da parceria entre as empresas Solatio Energia (Espanha) e Canadian (Canadá), que arremataram 240 MW nos leilões de energia de reserva realizados pela Aneel em 2014 e 2015. O investimento no projeto supera R$ 1,6 bilhão.

De acordo com o presidente da Solatio, Pedro Vaquer Brunet, serão gerados cerca de 2 mil postos de trabalho nas obras de implantação da usina, que, quando for inaugurada, empregará aproximadamente 150 pessoas, especialmente engenheiros e técnicos com formação nas áreas de eletrotécnica, eletrônica e civil. “A Solatio é uma desenvolvedora de projetos, os quais são levados a leilão por meio da parceria com a Canadian Solar, que é o investidor responsável pelas obras até a entrada em operação e comercialização da energia produzida”, explica.

Já o engenheiro no Brasil da Solatio, Roberto Devienne, detalha que a usina ocupará uma área que já está sendo limpa e preparada, de 650 hectares da Fazenda Marambaia, a 7 km da zona urbana. No local, serão instaladas mais de 1,1 milhão de placas. As obras civis – da usina propriamente dita – devem começar no início de agosto deste ano. O empreendimento também deve gerar aproximadamente 600 empregos indiretos, afirma ele.

Assim que entrar em funcionamento, a megausina iniciará o fornecimento de 150 MW para o Sistema Interligado Nacional (SIN) de geração, transmissão e distribuição de eletricidade. O cronograma da Aneel prevê que, a partir de novembro de 2017, a empresa terá que fornecer outros 90 MW, totalizando uma geração de 240 MW.

Além da participação da ALMG e dos Governos Estadual e Federal, a atuação da Prefeitura de Pirapora foi importante para a viabilização do negócio. O prefeito Heliomar Valle da Silveira, o Léo Silveira, disse que a atuação do Executivo local se deu em três frentes: isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) na fase de construção da usina, para que a empresa oferecesse no leilão um preço competitivo de megawatt; nas negociações para locação do terreno; e na sensibilização dos órgãos responsáveis pelas licenças. “Especialmente na Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), a prefeitura defendeu a fonte fotovoltaica como forma de vencer as desigualdades regionais, gerar riqueza e desenvolvimento”, realçou Silveira.

O prefeito fez uma avaliação sobre os impactos da implementação da megausina na cidade. Em sua opinião, o principal benefício é a geração de uma energia farta e renovável, num momento em que a água anda escassa e sua baixa captação compromete o uso para produção energética, dessedentação, pesca e turismo. Além disso, a usina de Pirapora vai contribuir para reduzir o preço da energia no Brasil, na opinião do prefeito. Ele lembrou que, entre 2011 e 2014, em função da seca, o País ampliou o uso das termelétricas, com custo muito mais alto de operação, o que elevou o preço do Kilowatt/hora.

Também do ponto de vista ambiental, as vantagens são grandes, conforme avalia o prefeito: a energia solar é limpa, não polui, não gera ruídos nem dejetos. Além disso, o seu uso não implica inundação de terras agricultáveis, como acontece com as hidrelétricas. “O sol vai estar sempre presente e com fartura”, concluiu.

Norte de Minas pretende se tornar polo fotovoltaico

Se a implantação da usina em Pirapora coloca o Norte de Minas no mapa da energia solar, o crescimento do uso em residências, nos setores de indústria, comércio e serviços e, ainda, na agricultura está consolidando a região como grande polo fotovoltaico. Isso porque Montes Claros e a região vão passar a contar com as duas principais formas de produção da energia fotovoltaica: um sistema fotovoltaico de grande porte, presente em Pirapora; e a geração distribuída, com cada pessoa física ou jurídica produzindo o insumo para uso próprio e disponibilizando os excedentes na rede elétrica.

Em Capitão Enéas, a fazenda Lagoa do São João implantou 72 placas solares, que garantem a produção diária de 17 e 24 KW de energia – Foto: Ricardo Barbosa / ALMG

Em Montes Claros, por exemplo, a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) implantou, em dezembro do ano passado, seu projeto de geração fotovoltaica, tornando-se a primeira universidade estadual a realizar tal ação. Por meio de um convênio entre a Unimontes e a Cemig (que cedeu os 250 painéis fotovoltaicos), implantou-se uma microusina com 12,5 KW de potência. O investimento ficou em torno de R$ 65 mil, com os quais a coordenação do curso de Engenharia comprou outros equipamentos e pagou a mão de obra para colocar as placas que abastecem os laboratórios de biologia.

O professor Guilherme Augusto Guimarães Oliveira, do Departamento de Engenharia Civil, é quem coordena o projeto da microusina. Ele explica que a Cemig ainda não fez a ligação do sistema à rede elétrica, mas que, quando isso acontecer, a economia será da ordem de R$ 700 por mês. “Como gastamos cerca de R$ 65 mil, o retorno do investimento virá com sete anos e meio, mais ou menos. É um retorno rápido, tendo em vista que as placas duram 30 anos ou mais”, anima-se.

Guilherme Oliveira adianta que a universidade tem como expectativa utilizar módulos solares em todos os departamentos. “A proposta é ter um campus sustentável, com a racionalização do uso de eletricidade e de outros recursos naturais, como a água”, previu.

Com relação às pesquisas da Unimontes sobre a fonte solar, o professor Guilherme destacou que um pesquisador já avalia o potencial de irradiação do silício, insumo indispensável na fabricação das placas e disponível no Norte de Minas. “Esse é o primeiro passo para que busquemos o melhor conhecimento desse material, um grande captador de luminosidade”, apontou. Guilherme ressaltou que, apesar de não haver ainda laboratório específico para essa pesquisa, a Unimontes quer conhecer profundamente o silício de forma a dominar a tecnologia de produção de placas fotovoltaicas.

Ao falar de sua expectativa quanto ao aumento da geração solar na região e no Brasil, Guilherme Oliveira previu que as pesquisas sobre essa fonte energética provocarão uma virada no panorama atual. “Atualmente, grande parte da produção agrícola do Norte de Minas depende da eletricidade para irrigação, o que torna nossos produtos caros, também por causa da distância dos grandes centros. Então, se conseguirmos baratear a conta de luz, teremos uma melhor condição de competir”, avaliou.

Agropecuária – A agropecuária no Norte de Minas também despertou para os outros usos do sol. No município de Capitão Enéas, o produtor rural Joaquim Manoel de Oliveira está sendo um dos pioneiros na utilização de placas solares para a agricultura. Em janeiro deste ano, ele concluiu a implantação, em sua fazenda Lagoa do São João, de 72 placas ao custo de R$ 160 mil, que lhe garantem a produção diária entre 17 e 24 KW de energia elétrica. Médico em Montes Claros, Joaquim tem a expectativa de recuperar o investimento em aproximadamente quatro anos. Segundo ele, houve uma economia média de 40% na conta de luz, que custava entre R$ 5,8 mil e R$ 6 mil.

Por outro lado, o fazendeiro ressalva que a energia produzida pelas placas está sendo parcialmente consumida na propriedade, mas o excedente ainda não é computado pela Cemig. Isso porque a empresa ainda não instalou o relógio bidirecional, que faz a compensação entre o que entra (consumo energético da fazenda) e o que sai (energia produzida). “A Cemig não está repondo os meus créditos para que eu consiga baratear ainda mais a minha fatura. Meu objetivo é zerar a conta de luz em dois, três anos”, concluiu.

Cemig – Questionada sobre as providências para integrar à sua rede os usuários da energia solar do Norte de Minas, a Cemig apresentou suas justificativas por meio do engenheiro de Tecnologia e Normalização, Bruno Marciano Lopes. Ele afirmou que, atualmente há, no Estado, 1029 solicitações de micro e minigeração distribuída, sendo que 560 já estão ligadas. No Norte de Minas, são 117 solicitações – 110 urbanas e sete rurais. Do total, 49 foram conectadas, restando 68.

Ainda segundo Bruno Lopes, a empresa concluiu, em março deste ano, o processo de licitação na modalidade pregão para a aquisição de 2 mil medidores bidirecionais para atendimento a todo o estado, incluindo as solicitações de energia fotovoltaica do Norte de Minas. Em 14 de abril, a Cemig receberá o 1º lote de medidores, que começarão a ser instalados a partir do dia 18.

(Fonte: ALMG / Repórter: Carlos Máximo)

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