Um padre de São João da Chapada, distrito de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, está proibido pela Justiça de frequentar o centro comunitário infantil que dirigia e onde morava havia cerca de três anos, bem como de manter contato com as cerca de 100 crianças e adolescentes atendidos na entidade, enquanto se apuram denúncias de crime sexual envolvendo o religioso. A determinação judicial faz parte de uma lista de medidas cautelares impostas pelo juiz Fábio Henrique Vieira, da 2ª Vara da Comarca de Diamantina, no último dia 15. As acusações vieram à tona em outubro do ano passado, e dão conta de pelo menos duas vítimas: um jovem de 18 anos, que relatou à Polícia Civil estar sendo vítima de abuso há pelo menos dois anos, e um adolescente de 13, cujo caso ainda está em fase inicial de investigação. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que o processo corre sob segredo de Justiça.
O episódio chama mais a atenção diante da posição do chefe da Igreja Católica, o papa Francisco – que decretou “tolerância zero” diante de crimes contra crianças e adolescentes envolvendo o clero – e coincide com a maior evidência do tema, depois da vitória do filme Spotlight na premiação do Oscar. O enredo aborda o trabalho de um grupo de jornalistas encarregado de desvendar como a Igreja encobriu crimes de pedofilia cometidos por quase uma centena de padres em Boston, nos Estados Unidos.
No caso de Diamantina, caso haja descumprimento de qualquer das medidas cautelares determinadas pela Justiça o religioso está sujeito a ter prisão preventiva decretada. No documento assinado pelo juiz, foi determinado que o padre se afaste do Centro Comunitário Infantil Padre Romano Merten. Há cerca de duas semanas, o investigado se mudou para a casa paroquial da Matriz de Santo Antônio, no mesmo distrito, e deve manter distância de no mínimo 100 metros das crianças da unidade, seus familiares e testemunhas das denúncias, entre outras imposições.
O Centro Comunitário Infantil Padre Romano Merten, que era dirigido pelo investigado: sacerdote mudou-se para a casa paroquial de matriz no mesmo distrito (Foto: CCI Padre Romano Merten / Facebook)
ORIGENS
As denúncias contra o religioso foram encaminhadas inicialmente ao Conselho Tutelar de Diamantina. Uma conselheira disse que, assim que tomou conhecimento do caso, encaminhou as suspeitas para o Ministério Público. Já a irmã Teresa de Nazaré Araújo, do centro comunitário infantil, informou ter recebido cópia de denúncia de outra cidade, mas não revelou qual. Ela disse nunca ter percebido nada de errado com o investigado, com quem convive há cerca de 10 anos. Ainda segundo ela, na entidade o acusado é diretor e exercia a função de coordenador de captação de recursos. “Tinha pouco contato com as crianças”, sustenta.
De acordo com a delegada Kiria Orlandi, da Delegacia de Atendimento à Mulher de Diamantina, responsável pelo caso, foram várias as denúncias anônimas feitas em outubro de 2015 contra o sacerdote. “O inquérito corre em segredo Justiça, por se tratar de violência sexual”, informou. Segundo a delegada, o padre foi ordenado há 23 anos e está no distrito de São João da Chapada desde 2013, depois de ter tido atuações em paróquias no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Ainda em outubro, a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão e recolheu mídias eletrônicas que estavam em poder do religioso. De acordo com a delegada, na ocasião, representantes da Igreja acompanharam o depoimento dele na delegacia. O material foi encaminhado ao Instituto de Criminalística. “Eu fiz requerimento de prisão preventiva contra ele em janeiro. A Justiça negou, mas determinou cautelares de afastamento do centro infantil, das vítimas e testemunhas”, frisa a delegada. Ainda segundo Kiria Orlandi, há relatos de coação de testemunhas no processo.
Fraternidade aguarda resultado de apuração
O centro comunitário onde o padre investigado trabalhava em São João da Chapada é um braço social da instituição religiosa Fraternidade, Palavra e Missão – que tem sede canônica em São Paulo. O superior do instituto, pároco Cyzo Assis Lima, lamenta a situação e as acusações. “Infelizmente, é algo muito desconfortável para a pessoa do padre, em primeiro lugar, mas também para todos: a paróquia, a Arquidiocese de Diamantina e a própria Fraternidade.” Ele disse, no entanto, que ainda não está em pauta nenhuma providência interna para desligamento do religioso, até porque todo o caso ainda está em processo de investigação, e sob sigilo.
Mas o religioso admite que, “caso haja culpabilidade, existem os encaminhamentos da Justiça e as determinações do direito da Igreja, que serão levadas em consideração”. Ele lembrou o posicionamento do papa Francisco e da Igreja Católica sobre o tema: “Uma comissão internacional de alto nível foi constituída e vem mantendo vigilância bem atenta ao conjunto da Igreja”. Cyzo Lima ponderou, no entanto, que apesar de toda a gravidade, acusações de crimes sexuais não se restringem ao clero, mas também podem envolver profissionais de áreas diversas e até familiares de vítimas. Segundo ele, trata-se do primeiro caso dessa natureza nos 30 anos da entidade.
O padre Franciane Bretas, representante da Cúria Diocesana de Diamantina, alegou que não tinha conhecimento da situação. “Fomos pegos de surpresa pelo caso. Ainda vamos apurar, e certamento será dada a oportunidade ao padre envolvido para que possa dar sua versão à sociedade”, afirmou.
Afastado do centro comunitário, o padre investigado continuou as demais atividades religiosas normalmente no distrito São João da Chapada. Na comunidade, muitos moradores defendem o sacerdote e outros evitam falar sobre o assunto. A dona de casa Vanessa do Rosário de Fátima foi uma das poucas que concordaram em abordar o tema, e defendeu abertamente o religioso. “Não acredito nisso. É invenção do povo. Como filha de Deus, acho que isso não procede”, afirmou. Uma professora que não quis se identificar também saiu em defesa do acusado: “Sou colega do padre e nunca vi nada de errado no comportamento dele”.
Outra moradora que da mesma forma pediu anonimato disse não acreditar na procedência da denúncia, mas entende que a repercussão do caso está prejudicando o nome do lugar. “Isso tudo envergonha a nossa comunidade”, disse ela. Dono de um bar no povoado, Mário Peçanha, de 78 anos, preferiu não opinar sobre a acusação, mas acha que os fiéis não deixaram de seguir as pregações do padre. “A única coisa que eu posso dizer é que o povo continua indo à igreja do mesmo jeito”, afirmou o comerciante.
A reportagem esteve na paróquia local, onde o investigado não foi encontrado. Segundo moradores, ele viajou domingo para participar de uma reunião em Belo Horizonte. O pároco prega sempre às sextas-feiras na histórica Igreja de Nossa Senhora do Bonfim, construída em 1900, e aos domingos, na Matriz de Santo Antônio – onde, antes da viagem à capital, celebrou missa com o templo cheio, em comemoração aos seus 23 anos de ordenação, de acordo com fiéis . É visto por muitos como “uma pessoa bondosa que ajuda o lugar”. Além da atividade religiosa, trabalha como professor de sociologia no ensino médio, na única escola estadual do distrito, que tem cerca de 2.500 habitantes.
AFASTAMENTO OBRIGATÓRIO
Medidas cautelares determinadas em 15 de fevereiro pelo juiz Fábio Henrique Vieira, da 2ª Vara da Comarca de Diamantina, ao padre investigado. O descumprimento de qualquer uma delas pode implicar na decretação de prisão preventiva do pároco
1 – Comparecimento bimestral em juízo, entre os dias 1º e 20 de cada mês, para informar e justificar suas atividades.
2 – Proibição de acesso e frequência ao Centro Comunitário Infantil Padre Romano Merten, no distrito de São João da Chapada, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. Foi determinado afastamento imediato do local.
3 – Proibição de se aproximar das vítimas, familiares e testemunhas das denúncias, fixando o limite mínimo de aproximação a 100 metros. O investigado fica proibido ainda de fazer contato com essas mesmas pessoas, por qualquer meio de comunicação.
4 – Proibição de se ausentar da comarca por mais de sete dias sem autorização judicial, devendo se recolher em casa das 20h às 6h e nos dias de folga.
5 – Determinação de manter endereço atualizado nos autos e comparecer a todos os atos do processo para os quais for intimado.
6 – Proibição de manter, na condição de padre, a figura do “coroinha” – ou seja, de criança ou adolescente que lhe auxilie nas cerimônias religiosas.
(Fonte: Estado de Minas / Repórteres: Luiz Ribeiro, Valquiria Lopes e Cristiane Silva)