O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram em conjunto ação civil pública contra as empresas VALE e CEMIG e contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) por fatos decorrentes dos impactos causados pela Usina Hidrelétrica de Aimorés.
A ação pede que as empresas sejam condenadas a pagar indenização de 50 milhões de reais por danos morais coletivos, além de indenizações individuais no valor de 90 mil reais a cada um dos 123 pescadores que perderam seu trabalho e única fonte de renda com a construção da usina.
A hidrelétrica de Aimorés começou a ser construída em julho de 2000 para aproveitar o potencial energético do rio Doce, na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A Licença de Instalação foi expedida em fevereiro de 2001 e a Licença de Operação em abril de 2005.
Inicialmente, o Ibama havia autorizado o enchimento do reservatório até a cota de 84 metros, parâmetro sob o qual havia sido realizado o próprio EIA-RIMA do empreendimento, por sinal, considerado insuficiente quanto aos reais impactos de sua implementação. Poucos meses depois da concessão da primeira Licença de Operação, o órgão ambiental federal emitiu nova Licença de Operação, desta vez autorizando o aumento da cota para 90 metros.
“A elevação da cota trazia melhores perspectivas de aproveitamento do potencial hidrelétrico, mas os impactos projetados, como é elementar, passaram a ser muito maiores”, relata a ação, para acrescentar que, apesar da mudança substancial , não foi feita qualquer modificação na análise dos impactos e dos riscos do empreendimento.
As consequências foram imediatas, agravando-se com o passar dos anos, com a piora na qualidade da água, na vazão do rio e no volume de peixes. Esses danos, somados, impactaram fortemente na atividade pesqueira, com a perda da profissão de pescador para 123 trabalhadores que, antes da construção da usina, extraíam do rio o sustento de suas famílias.
Descumprimento e omissão
Segundo a ação, a conduta dos réus lesionou “direitos fundamentais dos pescadores, com afronta direta ao direito ao trabalho e à dignidade da pessoa humana, que terminou por atingir suas famílias, a comunidade em que vivem e a própria sociedade civil”. Isso porque o Consórcio formado por Vale e Cemig descumpriu e continua descumprindo condicionantes ambientais e compromissos assumidos ao longo dos anos, diante da total inércia do Ibama.
“A atuação do órgão federal neste procedimento de licenciamento ambiental foi desde o começo lamentavelmente fragmentária, omissa e conivente com as ilegalidades praticadas pelas sociedades empresárias consorciadas”, afirmam os autores. “Ainda que o empreendedor descumprisse diversas condicionantes, o IBAMA fez o que estava ao seu alcance para prorrogar prazos e conceder as licenças que fossem necessárias à continuidade do empreendimento”.
Na verdade, antevendo os problemas que decorreriam da implantação da hidrelétrica, em especial os impactos sobre a atividade dos pescadores, o Ibama formulou um primeiro programa para conservação da ictiofauna, com vários subprogramas relacionados. Todos fracassaram. Em seguida, tentou-se o repeixamento do rio, mas o assoreamento, a vazão reduzida e a proliferação de espécies predadoras (piranhas, especialmente) também impediram o sucesso da iniciativa.
Diante do caos social que se instalou e da impossibilidade de retomada da atividade pesqueira nos moldes da que era exercida anteriormente, o MPF ajuizou ação civil pública em defesa dos pescadores, no curso da qual foi firmado acordo judicial para pagamento, pelo consórcio, de um salário mínimo e uma cesta básica mensal aos trabalhadores até que fossem restabelecidas condições para a retomada de sua profissão.
Com o passar dos anos, o que era uma medida paliativa virou a única fonte de renda dos pescadores diante da impossibilidade de exercício da pesca. Foi então que se deu início a outro programa, denominado Readequação da Atividade Produtiva para Pescador , que consistia basicamente no oferecimento de oportunidades de realocação em outra atividade econômica ou nova profissão.
Mas, novamente, os réus descumpriram as obrigações assumidas, empurrando entre si suas respectivas responsabilidades.
Intimidações
Há cerca de dois anos, o Ibama não vai à região para se reunir com os pescadores e o Consórcio interrompeu as ações há mais de oito ou 10 meses. Quando questionados, os réus empurram entre si as obrigações, impondo aos trabalhadores uma situação de profunda desesperança e abandono.
“A verdade é que o programa, no atual ritmo, não será executado jamais. Todos sabem disso. O Ibama, a Vale e a Cemig abandonaram o programa de recolocação profissional e deixaram os pescadores na expectativa de uma solução que nenhuma das instituições vem trabalhando para implementar. Todos os prazos que o Ibama fixou já foram extrapolados. Mas o empreendedor tem conseguido sucessivas prorrogações, mesmo sem apresentar qualquer avanço”, afirma o procurador da República Bruno Magalhães.
Para o procurador do Trabalho Jefferson Rodrigues, “a situação fática determinada pelas empresas rés priva os então pescadores da possibilidade de, legitimamente, alcançarem a autodeterminação de suas vidas e, enfim, gerirem os seus rumos, seus projetos pessoais, seus sonhos, a serem concretizados pelo fruto de seu trabalho”.
Os autores afirmam que o Consórcio se vale ainda de intimidações, ameaçando os pescadores com a perda do salário mínimo mensal e da cesta básica, além da exclusão do Programa de Readequação, caso se manifestem publicamente sobre a situação.
Por isso, pedem que a Justiça Federal, além de obrigar Vale e Cemig a cumprir integralmente, no prazo de seis meses, a condicionante socioambiental consistente na implementação do programa de readequação da atividade produtiva dos pescadores, que as proíba de praticar qualquer ato sancionatório a pescadores que eventualmente promovam manifestações públicas de descontentamento em face da conduta do Ibama e do Consórcio.
A ação também pede a complementação de mais meio salário mínimo no valor mensal pago aos pescadores, que, devido ao descaso no cumprimento das condicionantes pelo empreendedor, tornou-se a única fonte de renda das 123 famílias.
De acordo com o defensor público federal Wallace Feijó, “a situação imposta aos pescadores atingidos pela construção da UHE Aimorés revela o descaso dos demandados com a população tradicional, que se viu obrigada a abdicar do modo de vida que a identificava na sociedade. Tal cenário levou à inevitável judicialização dos fatos”.
(Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais)