Unidades do Minha casa, minha vida em Minas não podem ser habitadas porque nelas faltam luz, água, calçada e infraestrutura. Obra já custou quase R$ 1,8 milhão.
A tão sonhada casa própria parecia enfim virar realidade para famílias carentes de Paulistas, cidade de 4,9 mil habitantes no Vale do Rio Doce. Depois de mais de um ano de atraso, as obras do primeiro conjunto habitacional do Minha casa, minha vida no município aparentemente ficaram prontas em dezembro passado. Muita gente chegou a comemorar a possibilidade de deixar de viver de aluguel ou em área de risco para se mudar para uma casa nova. Mas, passados quase dois meses, o que se vê são residências coloridas abandonadas, com o mato crescendo ao redor e uma cerca de arame que impede a passagem de pessoas e carros. Sem água, luz, ruas, calçada, e muros de arrimo, as casas do conjunto habitacional Nilo Pinto de Carvalho estão vazias. Mas já custaram aos cofres públicos exatos R$ 1.751.800,00.
Erguidas em terreno íngreme, algumas das casas do conjunto em Paulistas receberam contenção improvisada com sacos de areia e tábuas – Foto: Alexandre Guzanshe / Estado de Minas
Feitas com recursos do Ministério das Cidades e do Fundo Estadual de Habitação, as 37 unidades habitacionais não têm infraestrutura para receber moradores e o terreno onde foram construídas é alvo de uma disputa judicial entre a prefeitura e os supostos proprietários. As moradias ainda correriam o risco de desabamento, segundo a Câmara Municipal, pois foram erguidas em um terreno íngreme que já começa a ceder. Os vereadores chegaram a acionar a prefeitura local para resolver o problema. Para evitar um acidente, em algumas casas foram construídas proteções feitas de pedaços de tábuas e sacos de areia. Com cerca de 40 metros quadrados, cada unidade custou aproximadamente R$ 50 mil.
Enquanto o mato cresce entre as casas, Eliane Pereira Marcos Rodrigues, de 36 anos, e José Bento da Silva, de 49, e os dois filhos do casal rezam para que as chuvas continuem esparsas e para que o conjunto seja concluído rapidamente.
Moradores de área de risco, eles fazem parte do rol de 40 famílias selecionadas para morar em uma das unidades do Minha casa, minha vida em Paulistas. “A nossa valência é que quase não choveu este ano”, comemora seu José, enquanto mostra os degraus feitos por ele no barranco do fundo da casa e também a contenção de lona e cimento para evitar que a cozinha desmorone. “Já perdemos três cozinhas. Elas despencaram lá embaixo na casa do vizinho na época de chuva. Esta é a quarta. Sorte que ninguém nunca machucou”, mostra Eliane, mãe de duas meninas de 13 e 5 anos. Eliane diz que, pelas informações que chegam da prefeitura, não há previsão para que as famílias se mudem para o conjunto. “O jeito é esperar.”
Segundo ela, durante a eleição deputados candidatos a mais um mandato estiveram na cidade e garantiram, com o prefeito Leandro Barroso (PSDB), que a entrega das chaves seria feita até o fim do ano e que todos passariam o Natal na casa nova. Silvana dos Anjos Oliveira, 32 anos, solteira, mãe de dois meninos, de 8 e 10 anos, também selecionada para morar no conjunto, disse que no dia 9 foi feita novamente uma reunião dos “futuros moradores” com representantes da prefeitura. Para resolver o problema da falta de água e esgotamento sanitário, conta ela, a prefeitura informou que será feita uma fossa nas casas. Sobre a luz e o restante da infraestrutura, ninguém tocou no assunto. Enquanto isso, algumas casas já apresentam rachaduras. Outras estão sem parte do forro e a fiação fica exposta, pois nenhuma delas tem laje.
A Companhia Estadual de Habitação (Cohab) alega, por meio de nota, que as “37 unidades habitacionais foram concluídos em maio de 2014”. “Essa é a parte da obra sob responsabilidade da Cohab Minas. O investimento total no Conjunto Habitacional é de R$ 1,88 milhão. Desse valor, o governo federal arcou com R$ 925 mil, por meio do programa Minha casa, minha vida. A contrapartida do governo do estado foi de R$ 826,8 mil, por meio do Fundo Estadual de Habitação. O restante, R$ 133,2 mil, refere-se à infraestrutura básica (água, esgoto, iluminação pública, pavimentação primária), de responsabilidade do município”, diz a nota.
Operação
O projeto inicial do conjunto previa a construção de 40 casas, que deveriam ter sido entregues em novembro de 2013, mas só 37 foram erguidas. Pelo menos era o que dizia a placa do governo federal instalada na obra. A execução foi feita pela Construtora Única, alvo em 2009 de uma busca e apreensão feita pela Polícia Federal (PF) durante a Operação João de Barro, que investigou um esquema de fraude em obras bancadas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de emendas parlamentares ao Orçamento da União. Na época, a PF chegou a apreender dinheiro e documentos na empresa, mas não há nenhum processo contra ela tramitando na Justiça Federal e também nenhum impedimento para que possa contratar com a administração pública.
A Câmara de Paulistas já enviou um ofício ao comando da Cohab pedindo informações sobre o conjunto e dados sobre o procedimento licitatório. O prefeito não foi localizado para comentar a situação das casas. O secretário de Transporte, Obras Públicas e Urbanismo, Luciano Ferreira da Costa, disse que não poderia dar informações sobre o conjunto, pois assumiu o cargo há 45 dias e não está “inteirado do assunto”. Na construtora ninguém foi localizado para falar sobre o caso. Procurado, o Ministério das Cidades não deu informações sobre a situação dos imóveis.
Mato cresce entre as casas do conjunto habitacional – Foto: Alexandre Guzanshe / Estado de Minas
(Fonte: Jornal Estado de Minas)