Justiça bloqueia mais de 1 milhão em bens da prefeita e de ex-prefeito de Governador Valadares

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O Ministério Público Federal (MPF) obteve decisão judicial que decretou a indisponibilidade de bens da prefeita de Governador Valadares, Elisa Maria Costa (PT), e do prefeito que a antecedeu, José Bonifácio Mourão (PSDB). A decisão atinge também o espólio do ex-secretário Municipal de Obras Maurício Morais Santos, já falecido, e o patrimônio de outro ex-secretário Municipal de Obras, Cézar Coelho de Oliveira, e do ex-diretor Municipal de Obras Viárias Aloísio Germano da Silveira. Também tiveram bens bloqueados a empresa Global Engenharia Ltda. e seu proprietário, Maurílio Reis Bretas; a Diefra Engenharia e Consultoria Ltda. e o engenheiro Rinaldo Franco, consultor técnico da Diefra Engenharia na época das obras. O bloqueio dos bens atinge o valor total de R$ 1.105.161,03.

Parde do problema aconteceu devido à inutilização de algumas das casas construídas no bairro Palmeiras, as quais apresentaram problemas – Foto: Antônio Cota / DRD

Na ação civil pública proposta em dezembro de 2013, o Ministério Público Federal acusa os réus de inúmeras irregularidades, entre elas, falta de licitação, descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e falhas na execução e fiscalização de obras públicas em Valadares.

Os fatos tiveram início em 2004, quando a Prefeitura de Valadares realizou concorrência internacional para a execução de obras de saneamento ambiental no valor de R$ 22.665.027,40 em sete bairros da cidade: Santo Antônio, Turmalina, Mãe de Deus/Altinópolis, Jardim do Trevo, Alto Vera Cruz e Alto Paraíso.

O contrato, firmado com a empresa Global Engenharia Ltda., vencedora da licitação, previa a construção de sistemas de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem pluvial e urbanização do sistema viário.

Posteriormente, em 2007, na gestão do ex-prefeito José Bonifácio Mourão, esse contrato foi aditado para incluir a instalação de loteamento e construção de 98 unidades habitacionais no bairro Palmeiras, com o objetivo de remanejar moradores dos bairros Altinópolis e Mãe de Deus.

O problema, segundo o MPF, é que esse aditamento, ao tratar de objeto diverso do contemplado no contrato original, exigiria a realização de nova licitação. “Mas não foi o que aconteceu. O ex-prefeito Bonifácio Mourão, juntamente com o secretário Municipal de Obras e o diretor de Obras Viárias, incluíram a construção do loteamento em um contrato que já estava em execução, avençando, diretamente, sem licitação, com a Global Engenharia. A construção das unidades habitacionais não se enquadra em nenhuma das exceções elencadas na Lei 8.666/93 para justificar eventuais alterações contratuais”, afirma o procurador da República Bruno de Almeida Ferraz.

Três anos depois, em fevereiro de 2010, as obras do loteamento no bairro Palmeiras foram inauguradas, já na gestão da atual prefeita, Maria Elisa Costa. No entanto, boa parte dos moradores recebeu seus imóveis ainda inacabados, com falta de piso cerâmico e de azulejos nos banheiros e na cozinha, além da ausência de muro atrás das casas, que ficam situadas às margens da BR-116.

Presente na solenidade de inauguração, o então presidente Lula solicitou ao município e ao Ministério das Cidades que tomassem providências para concluir o acabamento dos imóveis. Segundo o MPF, em vez de realizar licitação, a prefeitura contratou de novo, diretamente, a mesma empresa Global Engenharia mediante celebração de novo aditivo contratual, no valor aproximado de R$ 600 mil, para executar as obras de melhoria nas unidades. “Ou seja, a prefeita, em clara violação à Lei de Licitações, celebrou novo termo aditivo com a Global Engenharia em um contrato que já havia se encerrado para proceder à execução das obras solicitadas pelo então presidente da República”, observa Bruno Ferraz.

SUCESSÃO DE ILEGALIDADES

De acordo com o Ministério Público Federal, todo o processo da construção do loteamento no Palmeiras foi marcado por uma sucessão de ilegalidades. Segundo o MPF, a Global Engenharia deu início às obras de terraplanagem do loteamento em outubro de 2007, antes mesmo da indicação da dotação orçamentária, que só veio a ocorrer no mês de dezembro daquele ano, o que violaria não só a Lei 8.666/93, como também a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que considera “não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não tenha sido objeto de dotação específica e suficiente”.

Outra irregularidade que pode ter causado grave lesão ao erário consistiu no reajuste do valor do contrato: em 2007, sob a justificativa do reequilíbrio financeiro, a prefeitura, então comandada por Bonifácio Mourão, efetuou o cálculo para o reajuste utilizando preço-base diverso do que previa o contrato original.

O contrato celebrado em 2004 previa que o preço-base utilizado para o reajuste deveria ser o da data de apresentação das ofertas (julho de 2004), mas a administração municipal e a Global Engenharia, ao firmarem o aditivo para construção das unidades habitacionais, desconsideraram essa data-base e fixaram os preços tendo como referência julho de 2007. Além disso, o reajuste ainda considerou saldo contratual calculado incorretamente.

Um laudo pericial teria apontado que, para mensurar o valor do reajuste, os requeridos consideraram, no Termo Aditivo, o saldo contratual de R$ 11.793.241,87. “Não obstante, a partir da análise técnica do contrato, dos seus aditivos e dos boletins de medições nºs 27 a 37, o perito do MPF elaborou uma planilha demonstrativa, apurando que o valor do saldo contratual, na época, corresponderia a, no máximo, R$ 9.930.922,68”, informa a ação.

“Ou seja, a Prefeitura Municipal de Governador Valadares, em 2007, realizou pagamentos à Global Engenharia com preços superiores aos ajustados no contrato original, gerando um dano ao erário de, no mínimo, R$ 1.862.319,19”, explica o procurador da República Bruno Ferraz, que ressalta que não se pode descartar a existência de mais inconsistências e irregularidades nos outros reajustes, que ainda não passaram por auditoria. “Sem dizer que a impropriedade detectada no 6º Termo Aditivo — da construção das unidades habitacionais — provocou uma espécie de efeito cascata, já que todos os reajustes posteriores resultaram em pagamentos por serviços executados pela Global Engenharia com preços superiores aos que deveriam ser efetivamente pagos.”

SERVIÇOS MAL EXECUTADOS

O MPF aponta ainda falhas na execução e na fiscalização das obras das unidades habitacionais. Apenas 10 meses depois da entrega dos imóveis aos moradores, engenheiros da prefeitura relataram que o aterro envelopado pela Global Engenharia para a implantação do loteamento apresentava trincas que comprometiam a estabilidade das residências. Onze unidades acabaram interditadas e seus moradores, retirados, devido a alegado risco de desmoronamento.

Uma perícia realizada no local detectou grande processo erosivo no pé do talude onde foram construídas as casas, que, segundo perícia feita por engenheiro civil do MPF, decorreu de falhas nas obras de aterramento. “Nesse sentido, encontramos outra grave irregularidade, que foi a falha na fiscalização das obras, que deveria ter sido exercida pela prefeitura, como órgão gestor, e pela Diefra Engenharia. Essa empresa recebeu mais de R$ 2,5 milhões exatamente para exercer atividades de fiscalização das obras realizadas pela Global Engenharia”, lembra Bruno de Almeida Ferraz.

As duas empresas, inclusive, chegaram a imputar à duplicação da BR-116, vizinha ao loteamento, a responsabilidade por causar a instabilidade do terreno.

Para o MPF, essa afirmação não procede por dois motivos: primeiro, porque a duplicação da rodovia federal foi realizada em 2005, três anos antes do início das obras do aterro; segundo, porque, ao contrário do afirmado, a duplicação da BR-116 foi útil para aumentar a segurança do terreno.

De acordo com a ação, a má qualidade na execução das obras, que resultou na interdição das unidades habitacionais, causou prejuízo aos cofres públicos calculado em R$ 368.387,01.

Na decisão liminar, o juiz da 1ª Vara Federal de Valadares considerou que a ação do MPF trouxe evidências suficientes para justificar a decretação de indisponibilidade dos bens dos envolvidos nas irregularidades. “É possível reconhecer o nexo de causa e efeito entre a omissão dos administradores do município em zelar pela adequada realização dos trabalhos e os danos decorrentes da inutilização de nove unidades habitacionais pouco mais de dez meses após sua inauguração.”

A decisão alcança os bens móveis e imóveis dos acusados até o valor de R$ 1.105.161,03, que corresponde à soma do prejuízo causado aos cofres públicos com a multa civil (dobro do valor do dano apurado) a ser aplicada em caso de condenação.

O magistrado considerou, ao decretar a indisponibilidade, somente o valor do prejuízo apurado com a interdição das unidades habitacionais, que foram erguidas com verbas federais, pois, nas demais obras, a prefeitura teria utilizado, a princípio, recursos municipais.

Procurada pela reportagem, a prefeitura, em nota assinada pelo procurador-geral do município, disse: “Nem o município, nem a prefeita foram intimados pela Justiça Federal acerca do referido processo. No entanto, trata-se de licitação procedida pelo ex-prefeito Fassarella e executada pelo ex-prefeito Mourão, que também está como réu no processo judicial e com bens bloqueados, tendo a atual gestão apenas dado continuidade na finalização da construção das 98 casas no bairro Palmeiras construídas pelo ex-prefeito Mourão. Assim que formos notificados, tomaremos as medidas necessárias junto ao Judiciário no sentido de solicitar a exclusão da atual prefeita da ação judicial.”

O ex-prefeito Bonifácio Mourão não foi encontrado para se manifestar acerca da ação.

(Fonte: Diário do Rio Doce)

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