O Ministério Público Federal (MPF) obteve decisão judicial que obriga a União a cadastrar os integrantes dos povos Aranã Índio, Aranã Caboclo e Canoeiros no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), com a consequente distribuição a eles do Cartão SUS, ainda que não residam em aldeias ou territórios indígenas.
A decisão, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), também obrigou a União, por meio do Distrito Sanitário Especial Indígena-MG/ES e do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, a prestar o atendimento à saúde, de modo regular e efetivo, a esses grupos indígenas, e a contratar Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena para a prestação do serviço.
O prazo para o cumprimento das medidas é de até 90 dias, sob pena de multa coercitiva, no valor de cinco mil reais por dia de atraso.
Indígenas desaldeados – Os povos indígenas Aranã Índio, Aranã Caboclo e Canoeiros residem nos municípios de Coronel Murta e Araçuaí, na região do Vale do Jequitinhonha, Nordeste de Minas Gerais.
Os Aranã são compostos por dois grandes grupos familiares: Caboclo e índio. Levantamento preliminar realizado em 2000 pelo Conselho Indígena Aranã Pedro Sangê (CIAPS) apontou que o povo Aranã é constituído por mais de 30 famílias residindo em áreas urbanas e rurais de municípios mineiros, mas especialmente naquela região do Vale do Jequitinhonha.
Os Canoeiros também são compostos por aproximadamente 30 famílias e residem nos mesmos municípios.
Na ação civil pública ajuizada em fevereiro deste ano, o MPF destacou que o fato de tais grupos residirem em contexto urbano, ou seja, não possuírem um território delimitado como Terra Indígena para local de moradia, não pode constituir impedimento para a prestação de serviços de Saúde pelos órgãos de assistência indígenas especializados.
Tal assistência é realizada por meio do Subsistema de Saúde Indígena (SasiSUS), que foi criado justamente para respeitar as culturas e valores de cada etnia, bem como para integrar as ações da medicina tradicional com as práticas de saúde adotadas pelas comunidades indígenas. No entanto, tal sistema não substitui o Sistema Único de Saúde.
“Ao contrário, é complementar a este, dedicando-se, por meio dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (mencionados no art. 19-G, § 1º, da Lei nº 9.836/99), ao atendimento primário e de baixa complexidade. Os atendimentos de média e alta complexidades seguem no SUS”, relata a petição inicial.
Nesse contexto, está previsto o cadastramento dos indígenas, através de um número nacional de identificação, válido em todo o território nacional, para a construção de um banco de dados para diagnóstico, avaliação, planejamento e programação das ações de saúde. O objetivo dessa medida é organizar a gestão dos serviços e integrar o SIASI com os demais sistemas de informação do SUS, que registram, por exemplo, o perfil do nascimento, adoecimento e mortalidade na população em geral.
Por isso, ressalta o MPF, “os indígenas situados em contextos urbanos devem ser cadastrados no SIASI e receber o Cartão Nacional de Saúde, visando não apenas ao rápido acesso destes aos serviços de saúde, como também sua inclusão oficial, inclusive para fins estatísticos e orçamentários, na política de saúde indígena brasileira”.
Mas o fato é que, segundo informações da própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI), os órgãos de Saúde Indígena recusam-se a atender os povos Aranã e Canoeiros sob o argumento de que eles não são “povos aldeados”, ainda que esses mesmos órgãos não consigam fornecer uma definição para o termo aldeado.
Para o MPF, restou demonstrado que os órgãos competentes de atenção à saúde indígena (Dsei-MG/ES e Sesai) buscaram se esquivar da prestação de atendimento a esses grupos, e tal negativa, além de violar a obrigação do Estado brasileiro em lhes prestar assistência, “independentemente do local em que escolham para se estabelecer, mormente em casos em que haja informação acerca da precariedade da assistência à saúde”, torna-se ainda mais grave no contexto da pandemia da Covid-19, em que “medidas urgentes se fazem cada vez mais necessárias para salvar vidas.”
Negativa e recurso – O Juízo Federal de 1ª instância, no entanto, entendendo que os indígenas, por viverem em contexto urbano, estariam submetidos às mesmas condições sociais, ambientais e de acesso aos serviços de saúde que as demais pessoas da comunidade em que estão inseridos, negou a liminar pleiteada pelo MPF, que então recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ao acolher o pedido do Ministério Público Federal, o relator do agravo, desembargador federal Souza Prudente, afirmou que o entendimento da decisão de primeira instância colide com a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709, que determinou a extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos indígenas não aldeados.
Segundo o relator, a concessão da liminar tem “caráter nitidamente preventivo (…), de forma a garantir às famílias indígenas descritas nos autos condições existenciais mínimas, prestigiando-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde pública, como garantias fundamentais asseguradas em nossa Carta Magna”, não se mostrando “admissível a omissão dos órgãos competentes de atenção à saúde indígena, conforme apurado pelo órgão ministerial, em relação a determinadas aldeias indígenas”.
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