Tragédia de Mariana: autoridades denunciam abusos de mineradoras

0

Em iniciativa conjunta inédita, sete instituições – Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG), Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MP-ES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG) e Defensoria Pública do Espírito Santo (DP-ES) – expediram Recomendação às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, para que respeitem direitos das pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão ocorrido em novembro de 2015.

As mineradoras, responsáveis pelos gravíssimos danos ambientais e sociais causados pelo rompimento da estrutura, atuam na reparação a esses danos por meio da Fundação Renova, criada após Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2 de março de 2016, entre as empresas e os entes federativos União, Estado do Espírito Santo e Estado de Minas Gerais.

A Fundação Renova é uma pessoa jurídica de direito privado à qual foi delegada a função de gerir e executar medidas previstas em programas socioeconômicos e socioambientais, incluindo a promoção de assistência social dos atingidos.

A questão é que, nos últimos tempos, as instituições que assinam a recomendação vêm recebendo constantes denúncias de violações de direitos humanos de pessoas ou comunidades atingidas, com destaque para a dificuldade de acesso a informações e a atuação unilateral e discricionária da Fundação Renova na execução dos programas.

A recomendação visa alertar as empresas sobre a obrigatoriedade de cumprimento da vasta legislação incidente sobre os vários aspectos do caso, que inclui dispositivos constitucionais e tratados internacionais.

Acesso à informação

No que diz respeito ao direito de acesso à informação, os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas recomendam que seja garantido às pessoas atingidas amplo e irrestrito acesso aos documentos produzidos pela fundação, em linguagem clara e acessível. Da mesma forma, não pode ser criada qualquer dificuldade ou embaraço ao uso desses documentos pelas pessoas interessadas, devendo ser revogada imediatamente a cláusula que impõe multa aos atingidos que fizerem uso desses documentos.

Para as instituições, “a previsão do art. 46, do Regimento Interno do PIM [Programa de Indenização Mediada], que cria limitações ao direito de uso dos dados e prevê a aplicação de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo seu uso fora dos programas socioeconômicos é ilegal e atenta contra os direitos fundamentais dos atingidos”.

Assim, “não podem ser exigidos do atingido quaisquer compromissos de segredo ou confidencialidade acerca das propostas ou comunicações que recebam das empresas ou Fundação Renova, tendo plena disponibilidade de usar a informação da forma que entender pertinente”.

Cadastro dos atingidos

Outro eixo da recomendação relaciona-se ao cadastramento para participação nos programas socioeconômicos. A Renova tem divulgado que a atividade será finalizada em junho deste ano, mas para os MPs e Defensorias, esse cadastramento não deverá ser encerrado enquanto todos os pedidos de cadastro e de reconhecimento das pessoas como atingidos não sejam devidamente apreciados.

As avaliações também não poderão utilizar recortes geográficos com o fim específico de impedir o cadastramento de indivíduos que se entendem atingidos e toda negativa deverá ser fundamentada objetivamente, sem a utilização de critérios abstratos e generalizados.

A recomendação também orientou a Renova a adotar postura proativa na identificação e cadastro das populações atingidas, independentemente da localidade de sua residência, “fornecendo em tempo hábil todos os programas necessários, nos termos do TTAC”.

O terceiro ponto abordado pelas instituições públicas diz respeito ao valor financeiro emergencial que é concedido por meio de um cartão entregue pela Renova aos atingidos. Neste caso, foi recomendado que as empresas reconheçam “o direito ao cartão emergencial também em situações nas quais as pessoas atingidas tenham tido suas rendas indiretamente afetadas pelo desastre, ou em situações em que não tenham considerado a renda familiar suficientemente afetada”.

Maiores abusos

O programa de indenização mediada e demais políticas indenizatórias constituem outra preocupação dos MPs e Defensorias, por ser a área em que se têm verificado maiores abusos por parte da Renova, o principal deles consistente no fornecimento de informações equivocadas, induzindo os atingidos a erro.

Exemplo disso é a alegação de suposta prescrição no direito à reparação dos danos, para forçar os atingidos a aceitarem rapidamente as condições oferecidas pelas empresas, sem a possibilidade de negociação.

A Renova também está obrigando os atingidos a renunciarem ao direito de propor futuras ações judiciais e até mesmo a renunciarem a ações já propostas. A recomendação explicita que tal comportamento viola o princípio da justiciabilidade e o “da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”)”.

Do mesmo modo, a exigência de quitação ampla, geral e irrestrita, além de constituir desvantagem exagerada na condição imposta para adesão ao Programa de Indenização Mediada, “viola os princípios norteadores da mediação, especialmente o da isonomia e o da decisão informada, gerando patente a situação de desequilíbrio econômico e de informações entre as partes envolvidas, (…), viola também os preceitos gerais da mediação, da boa-fé objetiva e seus deveres anexos, da função social dos contratos e das normas consumeristas e ambientais, sendo, em verdade, instrumento contratual de exoneração de responsabilidades e burla ao princípio da reparação integral”.

Foi recomendado que as empresas se abstenham de “exigir renúncia dos direitos a eventual ação judicial proposta pelo atingido, devendo eventual desistência se ater integralmente aos limites do acordo, observada a quitação específica”.

Outra irregularidade apontada pela recomendação diz respeito ao fato de não haver possibilidade de discussão, pelos atingidos, no âmbito das Políticas Indenizatórias, quanto aos valores oferecidos pelas empresas, via Fundação Renova, sendo-lhes reservado unicamente aderir ao referido programa, mediante preenchimento do formulário de elegibilidade e apresentação de documentação, ou rejeitar a proposta.

“As Políticas Indenizatórias se valem de valores tabelados para quantificar os danos materiais e morais dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, (…) não sendo estabelecida segundo a situação individual concreta de cada atingido pelo rompimento da barragem, o que, muitas vezes, representa desconsideração da força produtiva da mulher dentro da cadeia de pesca, com seu trabalho colocado de forma complementar ao do seu companheiro”, descreve o texto da recomendação.

Por sinal, a situação da mulher atingida também constitui outra preocupação dos Ministérios Públicos e Defensorias. A Renova não está reconhecendo a renda da mulher atingida de forma autônoma, negando-lhe a concessão de cartão emergencial em seu nome, em desrespeito à independência econômica que elas tinham antes do rompimento da barragem.

Foi recomendado que as empresas se abstenham de utilizar questionários com a mulher atingida que direcionem ao não reconhecimento do seu trabalho como autônomo, independente e não complementar ao do seu companheiro, devendo indenizá-las em igualdade de condições com os homens atingidos, sem qualquer distinção no tratamento e valores, conforme obriga a Convenção 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Situação dos pescadores

A adoção de marcos territoriais arbitrários para a fixação do direito a indenizações também é contestada pelos Ministérios Públicos e Defensorias.

Eles recomendam que as empresas não limitem o reconhecimento da condição de pescador de subsistência apenas àqueles que residam até um quilômetro dos cursos d’ água e região costeira afetados, devendo, ao contrário, adotar o critério já estabelecido no § 1º da Cláusula 2.1 do Primeiro Aditivo ao Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar firmado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Estado do Espírito Santo com a empresa Samarco Mineração S/A.

Segundo esse critério, deve ser reconhecido como pescador tanto aquele que comprove o exercício da atividade de pesca por meio da apresentação de carteira emitida pelo Ministério da Pesca e Agricultura ou do protocolo de solicitação da carteira emitidos até 5.11.2015, quanto quem, não possuindo os referidos documentos, declare o exercício da atividade de pesca, mediante declaração escrita realizada sob as penas da lei.

Com isso, as empresas deverão incluir, no valor da indenização a ser efetivada no âmbito do PIM, “o pagamento do seguro-desemprego (seguro defeso), em razão da interrupção da pesca, nos termos do art. 1º da Lei nº 10.779/03, em favor de todos os trabalhadores(as) da cadeia da pesca, a exemplo de pescadores(as), redeiros(as), carpinteiros(as) de barcos, tratadores(as)/limpadores(as) de peixes e de outras espécies, bem como marisqueiros(as)”.

Assistência judiciária gratuita

Por fim, a recomendação também orienta as empresas a custearem, no âmbito do PIM, assistência jurídica gratuita a todas as pessoas que, necessitadas, não possuam condições de com ela arcar sem prejuízo de uma vida digna. Esse custeio não poderá ser descontado do valor da indenização e deverá contar com o apoio das assessorias técnicas acaso já contratadas.

A obrigação de promover assistência jurídica gratuita aos atingidos está prevista na cláusula 37 do TTAC, e seu descumprimento tem acarretado excessivo ônus às camadas mais pobres, que se vêem obrigadas a custear advogado com os valores que obtêm das indenizações.

Foi recomendado às empresas efetuarem o ressarcimento de eventuais descontos feitos a título de honorários de advogado a qualquer pessoa que tenha participado do programa sem que tivesse sido devidamente informada da opção pela assistência jurídica gratuita prevista no TTAC.

É importante frisar que no âmbito da ação civil pública de 155 bilhões de reais (com objeto mais amplo que o TTAC), proposta pelo Ministério Público Federal, foi firmado um Termo Preliminar de diagnóstico dos danos a ser realizado por instituições da confiança do MPF, inclusive uma auditoria nos programas da Fundação RENOVA, visando à garantia da tutela integral. Dessa forma, as violações cometidas mostram-se ainda contraditórias aos compromissos que as empresas estão assumindo nas tratativas feitas naquele processo para a reparação integral do dano.

A União, os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e suas respectivas entidades da administração indireta, assim como os integrantes do Comitê Interfederativo e da Câmara Técnica de Organização Social, também foram notificados do teor da recomendação.

Prazo

As empresas terão prazo de 20 dias corridos, contados do recebimento da recomendação, para enviarem resposta informando as providências adotadas.

Para ler a íntegra da recomendação, acesse www.mpf.mp.br.

VER PRIMEIRO

Receba as notícias do Aconteceu no Vale em primeira mão. Clique em curtir no endereço www.facebook.com/aconteceunovale ou no box abaixo:


(Fonte: MPF/MG)

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui