Fraudes na Lei Rouanet somam R$ 180 milhões e ministério falhou na fiscalização, diz PF

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Produtores culturais que integram um grupo ligado a eventos são responsáveis pelo desvio de cerca de R$ 180 milhões de recursos da Lei Rouanet, do governo federal, segundo a Polícia Federal. Foram cumpridos hoje (28/6), na chamada Operação Boca Livre, 14 mandados de prisão temporária de integrantes desse grupo, que atua desde 2001 em São Paulo. De acordo com a PF, o Ministério da Cultura falhou na fiscalização na concessão dos incentivos fiscais.

Os mandados de prisão ainda estão sendo cumpridos. Os detidos serão encaminhados para a Superintendência da PF, na região da Lapa, na capital paulista. Em Brasília, policiais cumprem busca e apreensão na sede do Ministério da Cultura.

A ação investiga mais de 10 empresas patrocinadoras que trabalharam com o grupo e estima-se que mais de 250 projetos tiveram recursos desviados. As empresas recebiam os valores captados com a lei e ainda faturavam com a dedução fiscal do imposto de renda. Com isso, o montante desviado pode ser ainda maior do que R$ 180 milhões, conforme a PF.

A organização apresentava iniciativas ao Ministério da Cultura e à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo para a aprovação e utilização de verbas de incentivo fiscal previstas na Lei Rouanet. As investigações mostram que os recursos foram usados para custear eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo festa de casamento, segundo o Ministério da Transparência.

Falha na fiscalização

Rodrigo de Campos Costa, delegado regional de Combate e Investigação ao Crime Organizado, disse que as irregularidades eram evidentes, com documentos fraudados de forma grosseira. “Houve, no mínimo, uma falha de fiscalização do Ministério da Cultura”, afirmou.

Em nota, o Ministério da Cultura informou que as investigações para apuração de uso fraudulento da Lei Rouanet têm o apoio integral do ministério e que “se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do país”.

Segunda fase

Na segunda fase da Operação Boca Livre, o objetivo será descobrir o porquê da falta de fiscalização das fraudes. “Esses projetos já saíam encarecidos [do Ministério da Cultura] com valores estratosféricos”, disse Karen Louise, procuradora do Ministério Público Federal.

“Há um procedimento de fiscalização, do próprio Ministério da Cultura. São fatos relacionados a 2014. Nós temos que aproveitar a operação para punir aqueles que desviaram recursos, mas também melhorar os procedimentos preventivos de fiscalização do dinheiro público”, disse o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Os presos na operação poderão responder por crimes como organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica, cujas penas podem chegar a até 12 anos de prisão.

“Falha é de quem fiscaliza”, diz Ministro

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, reafirmou que houve falha na fiscalização da concessão dos recursos da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. Para Moraes, as fraudes ocorreram por falhas na fiscalização e a lei não deve ser “condenada”. Segundo ele, a Polícia Federal irá investigar se houve participação de servidores públicos nos desvios. “A falha não é da lei. É de quem fiscaliza preventivamente, ou seja, a lei não estabelece que é possível alguém pegar o incentivo para pagar o casamento. Obviamente que, quem pediu, fraudou a lei. Fraudou como? A partir de agora, sabemos que fraudou e que usou mal o dinheiro. Na sequência, vamos verificar se houve ou não apoio interno”, disse à imprensa, após participar, em São Paulo, da assinatura de acordos para cooperação técnica durante a Olimpíada.

O ministro da Justiça também afirmou que o momento é de rever mecanismos preventivos. “Com tudo isso que foi desviado, não só da Lei Rouanet, mas do caso da Lava Jato, os mecanismos preventivos falharam. Os mecanismos repressivos estão funcionando, como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Judiciário. A partir dessa análise, e já pedi à PF, e depois vou reunir com o Ministério Público Federal, a partir dessa análise detalhada do que falhou, o Ministério da Justiça vai fazer um estudo e propor mecanismos também preventivos para que não volte a ocorrer”, acrescentou o ministro.

Lei Rouanet

Criada em 1991, a Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet, concede incentivos fiscais para projetos e ações culturais. Por meio dela, cidadãos (pessoa física) e empresas (pessoa jurídica) podem aplicar nestes fins parte de seu Imposto de Renda devido. Atualmente, mais de 3 mil projetos são apoiados a cada ano por meio desse mecanismo.

A Lei Rouanet (8.313/91) institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que tem o objetivo de apoiar e direcionar recursos para investimentos em projetos culturais. Os produtos e serviços que resultarem desse benefício serão de exibição, utilização e circulação públicas.

O mecanismo de incentivos fiscais é apenas uma forma de estimular o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. Ou seja, o governo abre mão de parte dos impostos, para que esses valores sejam investidos na cultura.

Podem solicitar o apoio por meio da Lei Rouanet pessoas físicas que atuam na área cultural, como artistas, produtores e técnicos, e pessoas jurídicas, como autarquias e fundações, que tenham a cultura como foco de atuação. As propostas enviadas ao Ministério da Cultura (MinC) podem abranger diversos segmentos culturais, como espetáculos e produtos musicais ou de teatro, dança, circo, literatura, artes plásticas e gráficas, gravuras, artesanato, patrimônio cultural (museus) e audiovisual (como programas de rádio e TV).

No processo para receber o benefício, a proposta deve ser aprovada pelo MinC e, se isso ocorrer, o titular do projeto pode captar recursos com cidadãos ou empresas. O ciclo de aprovação de projetos inclui diversas etapas e se finaliza com a avaliação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que é formada com paridade de membros do Poder Público e da sociedade civil. Todas as decisões são públicas e podem ser consultadas no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic).

Incentivos

Quem fornece os recursos é chamado de incentivador e, com a Lei Rouanet, tem parte ou o total do valor do apoio deduzido no Imposto de Renda devido. O valor do incentivo para cada projeto cultural pode ser feito por meio de doação ou patrocínio. No caso da doação, o incentivador não pode ser citado ou promovido pelo projeto. Podem ser beneficiados nesta modalidade apenas pessoas físicas ou jurídicas sem fins lucrativos.

Quando o incentivo é feito por patrocínio, é permitida a publicidade do apoio, com identificação do patrocinador, que também pode receber um percentual dos produtos do projeto, como CDs, ingressos e revistas, para distribuição gratuita.

Fundo Nacional de Cultura

A Lei Rouanet também inclui o Fundo Nacional de Cultura (FNC), constituído de recursos destinados exclusivamente à execução de programas, projetos ou ações culturais. Para receber este apoio, propostas são escolhidas por processos seletivos realizados pela Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura (Sefic). As iniciativas aprovadas celebram um convênio ou um contrato de repasse de verbas com o FNC.

Com os recursos do FNC, o ministério pode conceder prêmios, apoiar a realização de intercâmbios culturais e propostas que não se enquadram em programas específicos, mas que têm afinidade com as políticas da área cultural e são relevantes para o contexto em que irão se realizar (essas iniciativas são chamadas de propostas culturais de demanda espontânea).

Polêmicas

A Lei Rouanet costuma ser alvo de dúvidas sobre a destinação das verbas para projetos culturais. Sobre o tema, em abril, o Ministério da Cultura informou or meio de nota que “a concessão de incentivo fiscal a projetos culturais é uma possibilidade disponível a qualquer cidadão brasileiro que atua na cultura”.

O repasse de recursos não é feito de forma direta para nenhum projeto aprovado por meio do incentivo fiscal. “Quem decide o financiamento são as empresas ou cidadãos que patrocinam ou doam aos projetos. A decisão não é do governo”, disse o MinC, na ocasião. Segundo o ministério, “o posicionamento político, artístico, estético ou qualquer outro relacionado à liberdade de expressão (do artista ou projeto avaliado) não é objeto de análise, sendo que a Lei veta expressamente ‘apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural'”.

(Fonte: Agência Brasil)

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