Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) caminham para desenvolver uma vacina capaz de proteger o homem contra a leishmaniose visceral. Em todo o país, a doença mata no mínimo dez vezes mais do que a dengue. O estudo, da Faculdade de Farmácia e do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), tem como base uma vacina desenvolvida no mesmo laboratório contra leishmaniose visceral em animais, disponível no mercado há cinco anos.
(Foto: Frederico Haikal/Hoje em Dia)
Chamada Leish-tec, a fórmula teve a eficácia cientificamente comprovada em cães e gatos e rendeu à equipe da UFMG o Prêmio Péter Murányi deste ano.
A façanha despertou o interesse da GlaxoSmithKline. A multinacional do setor farmacêutico está financiando os pesquisadores Ana Paula Fernandes e Ricardo Tostes Gazzinelli no desenvolvimento de uma nova droga para imunização, desta vez para humanos.
“O mundo inteiro tem investigado uma vacina aplicável ou adequada às populações humanas. Os resultados da pesquisa (com a Leish-tec) são altamente promissores, mostrando que a vacina induz à proteção. Além disso, testes em macacos demonstraram a eliminação do parasita nos órgãos dos animais testados. É possível que dentro de alguns anos tenhamos uma vacina para humanos contra a leishmaniose”, afirma a especialista.
De acordo com a especialista, professora do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Farmácia, as pesquisas começaram em 2013, quando foi assinado um convênio entre a UFMG e a GlaxoSmithKline. “A expectativa é a de que até meados do ano que vem esses testes tenham sido concluídos, o que será um passo fundamental rumo a testes clínicos em humanos”, diz.
Controle
De modo geral, a prevenção realizada pelos órgãos de saúde abarca o controle de vetores, por meio do sacrifício de animais doentes. Porém, a medida nem sempre se mostra eficaz. De 2009 a 2013, foram confirmados, apenas na capital, 458 casos de leishmaniose em humanos; em 94 pessoas, a doença evoluiu para a morte.
O índice é bastante superior quando comparado à dengue, que no mesmo período levou a 23 óbitos dentre os 162.693 casos registrados.
Transmissor da doença, o mosquito-palha, como é conhecido, vive próximo a casas, preferencialmente em locais úmidos, escuros e onde há acúmulo de matéria orgânica, como quintais com galinheiro ou canil.
De acordo com a prefeitura, os métodos de controle da leishmaniose em animais são eficazes, refletindo diretamente na redução do número de casos. “As ações de combate à leishmaniose desenvolvidas na capital seguem as normas do Ministério da Saúde”, informou a Secretaria Municipal de Saúde. O Ministério da Saúde foi procurado, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Tratamento e prevenção em cães dividem opiniões
Nos animais vetores da doença, tanto a aplicação da vacina quanto o tratamento medicamentoso são assuntos controversos. Uma portaria de 2008 assinada pelos ministérios da Saúde e da Agricultura proíbe o tratamento da leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano. Mas, no Brasil, os únicos remédios aprovados e disponíveis no mercado são para o homem.
“Os medicamentos disponíveis hoje são de fácil acesso para os veterinários, mas a conduta preconizada no país ainda é a eutanásia”, afirma o veterinário e doutor em epidemiologia Lucas Maciel Cunha. Ele explica que a doença que acomete os animais não tem cura parasitológica, apenas clínica: o animal tratado deixa de manifestar os sintomas, mas se mantém como hospedeiro do parasita que transmite a doença.
Com relação às vacinas, apesar da forte divulgação no mercado, ainda não há distribuição gratuita garantida pelo Ministério da Saúde. Segundo o veterinário, a eficácia delas não é 100% comprovada.
Apesar disso, a aposentada Suzana Pimenta, de 53 anos, apostou no método para proteger Nicole, de 5 anos, e Lili, de 6. As cadelas receberam recentemente a última das três doses contra a leishmaniose visceral.
“É a forma mais eficaz de protegê-las. Se não fosse pela vacina, estariam vulneráveis à doença e poderiam ser sacrificadas”. Dois cães contaminados de Suzana já tiveram que ser mortos.
Em BH, somente no ano passado, foram recolhidas 113.997 amostras de cães com suspeita da doença. Do total, 4.862 foram positivas. A Secretaria Municipal de Saúde não informou, porém, quantos animais foram executados.
Letalidade duas vezes maior em BH
BH é uma das cidades brasileiras com maior taxa de letalidade por leishmaniose visceral, segundo a infectologista Gláucia Fernandes Cota, doutora pela Fundação Oswaldo Cruz.
“Enquanto no país a média é de 6% de mortes em função da infecção, na capital temos de 12% a 15%”, diz.
Estudos apontam relação entre o diagnóstico 60 dias após o contágio e uma maior taxa de mortalidade. Segundo a infectologista, entretanto, não há parâmetros para definir em quanto tempo a infecção evolui para óbito.
(Jornal Hoje em Dia)