Artesãs da geração Z mantêm viva a tradição da cerâmica do Vale do Jequitinhonha

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No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a transformação do barro em cerâmica tem ganhado novas guardiãs. São jovens entre 16 e 25 anos, filhas, netas, bisnetas e tataranetas de artesãs que, mesmo imersas no universo tecnológico da geração Z – nascidos após 1995 – entenderam o artesanato como uma ferramenta de afirmação de suas identidades. “O barro e o que vem a partir dele é o reflexo do nosso cotidiano. Não tem como fugir, porque para todo canto que você olha tem cerâmica”, afirma Cibele Dias de Souza, de 21 anos, que nasceu na zona rural de Turmalina, e que faz parte da quinta geração de ceramistas da família.

Sua irmã, a artesã Jaqueline Dias de Souza, 25 anos, até tentou seguir outros caminhos, mas a paixão, segundo ela, está no sangue. Com formação técnica em Agropecuária, até 2021, ela trabalhou por sete anos como educadora social, sobretudo por conseguir, até então, ter uma fonte de renda maior. “Quando comecei, o artesanato não era tão valorizado como é hoje. Poucos artesãos conseguiam viver bem apenas com o artesanato, mas agora, graças a novos projetos e parcerias, a situação parece estar mudando e fazendo com que os jovens daqui vejam essa atividade com outros olhos”, afirma.

Segundo Anísia Lima de Souza, artesã e mãe de Jaqueline e Cibele, alguns fatores contribuem para essa mudança de percepção das filhas e de outros na sua faixa etária, sobretudo o desenvolvimento de oficinas, a parceria com grandes marcas de decoração e a criação e atualização de suas linhas de produtos. “Quando nós achamos que a pandemia nos colocaria em dificuldades, fomos surpreendidos com a chegada de pedidos grandes para marcas como a Camicado, TokStok e a Casa Bonita”, revela.

As parcerias foram moldadas por Lucas Lassen, fundador e diretor criativo da Paiol, loja de artesanato presente há 15 anos em São Paulo, mas que reúne peças do Brasil inteiro. Acostumado a percorrer o país fazendo curadoria para a própria loja e consultorias criativas para outras marcas, ele se encantou com o Vale há 12 anos por conta dos tradicionais filtros de barro. Em 2020, a relação se estreitou tanto com a comunidade que ele decidiu se mudar para Campo Buriti, reduto de mestres e renomados artesãos na zona rural de Turmalina. 

“Embora eu já tivesse uma relação profunda com algumas artesãs, quando me instalei lá eu pude entender melhor o cotidiano, a importância da cerâmica no contexto social e familiar e também as dificuldades delas. Foi quando percebi que junto com elas, nós poderíamos desenvolver um trabalho inovador promovendo parcerias e trocando experiências para conquistar mais mercado de forma criativa”, afirma.

Tendo a sustentabilidade como objetivo principal, ele encontrou no mercado atacadista um dos caminhos para trazer pedidos maiores, mais rentáveis e mais frequentes. “Em conjunto com as artesãs, nós chegamos à conclusão de que dessa forma era possível distribuir os pedidos para mais gente e ainda remunerar melhor do que quando as vendas são feitas apenas no varejo”, resume Lucas.  

A primeira coleção, chamada Branco no Branco, desenvolvida pelas artesãs para a Camicado, incorporou um novo padrão de cores e novas formas às peças. As criações foram premiadas em 2020 na 7ª edição do Prêmio Objeto Brasileiro, premiação bienal promovida pelo Museu A CASA do Objeto Brasileiro e que reconhece trabalhos artesanais do Brasil inteiro.

Ainda segundo Lucas, embora a relação com o barro – que se fortalece por gerações – faça com que essas artesãs se sintam apaixonadas pelo que fazem, o fator econômico também é importante para mantê-las em plena atividade. “É importante ressaltar que a tradição está sendo renovada também do ponto de vista criativo. Essa geração é estimulada com informações o tempo todo e, obviamente, isso se reflete na forma como elas lidam com o trabalho, o que facilita a incorporação de novos olhares nas coleções”, afirma.

Novos olhares para o Vale

Apaixonada por tudo o que remete ao universo das artes, Adriely Nunes Lima, 22 anos, é filha, neta e bisneta de artesãs. Porém, até pouco tempo atrás, mesmo tendo passado a infância fazendo pequenas peças, não se via como artesã. Cursando o terceiro período da faculdade de Fotografia, ela pretende conciliar as duas profissões para melhorar a visibilidade do Vale.

“Muita gente reconhece as peças, mas não conhece o Vale, por isso além do artesanato escolhi a fotografia para poder levar às pessoas a visão de uma pessoa que nasceu, cresceu e vive aqui. Outra questão importante está no fato de que ter boas imagens das peças e da comunidade ajuda a criar uma percepção melhor do nosso trabalho”, completa Adriely.

O impacto destes novos olhares já começou a surgir. Andressa Silva Xavier, de apenas 16 anos, é da quinta geração de artesãs da família. É ela a autora de uma nova coleção de cachepôs e enfeites de cactos que podem ser usados na mesa e na parede e que devem ser lançados em breve pela Paiol. “O desafio de criar uma coleção partiu do Lucas, que tem estimulado essa renovação do Vale e que desde a pandemia tem deixado todo mundo com tanto trabalho que decidi me aventurar também”, finaliza.

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