Comunidades quilombolas Norte e Nordeste de Minas temem destruição por falta de água

1

A omissão do poder público em garantir o abastecimento de água ameaça inviabilizar e destruir comunidades quilombolas do Norte e Nordeste de Minas. Esse foi o cenário descrito por representantes dessas comunidades, durante audiência pública realizada nesta segunda-feira (18/10/2021) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Representando 32 comunidades da região de Virgem da Lapa (Vale do Jequitinhonha), Nataélio Lima relatou que a monocultura de eucalipto está secando as fontes de água locais. “As comunidades quilombolas vêm diminuindo ano após ano, em um êxodo rural causado, entre outras coisas, pela falta de captação de água. As pessoas vão para as cidades e vivem em condições sub-humanas. Muitos jovens vão para cortar cana e colher café em outras regiões. Nossas tradições estão morrendo”, lamentou.

A falta de regularização da terra pelo Estado complica ainda mais a situação. Em Virgem da Lapa, 21 comunidades disputam terras com uma empresa de produção de celulose, a Suzano.

De acordo com João Márcio Simões, defensor público da União, Minas tem cerca de 1,2 mil comunidades quilombolas, mas quase nenhuma foi regularizada. Em muitas, o Estado titulou apenas um pequeno território, insuficiente para manter a comunidade. “Temos que condicionar os empreendimentos à regularização das comunidades. E temos que ter alguma coisa no orçamento para a regularização dos territórios”, cobrou.

Daiane Cardoso, representante da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais e moradora do Quilombo do Baú, em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha), destacou que o êxodo rural forçado pela falta de água dificulta ainda mais a regularização das terras. “A gente sabe que, para ter a demarcação de um território, tem que ter cultura. Daqui a alguns anos não vai ter cultura nenhuma, e eles ganham. Mas ainda dá tempo de mudar essa história”, afirmou.

Ela relatou que o córrego que tradicionalmente abastecia o Quilombo do Baú foi poluído pela mineração. Agora eles reivindicam água encanada, que depende da construção de oito quilômetros de tubulação. “Acredito que não é por acaso essa falta de água. É uma política genocida, de esvaziamento dos quilombos”, denunciou.

Apesar de os moradores do Baú não terem água, a mineradora foi autorizada a ocupar parte do território reivindicado pela comunidade, assim como a usar água do Jequitinhonha para lavar granito.

Outro relato de carência de água veio de Maria Aparecida Silva, representante da comunidade quilombola Córrego do Rocha, em Chapada do Norte (Vale do Jequitinhonha). Ela disse que chegou a pensar em deixar a localidade, onde vive há 40 anos. “A comunidade existe há mais de 200 anos. Meu bisavô viveu lá”, relatou.

Até há pouco tempo, segundo ela, os moradores tinham que se organizar durante meses, fazendo abaixo-assinados, para conseguir um caminhão-pipa. Mais recentemente, a prefeitura vem atendendo com regularidade esta necessidade.

O chefe de gabinete da prefeitura de Chapada do Norte, Paulo de Figueiredo, reconheceu que as providências tomadas são apenas um paliativo, mas argumentou que o município não tem como fazer mais sem apoio do Estado e da União.

Deputada critica Estado por defender privatização e regionalização

Presidenta da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Andréia de Jesus (Psol) afirmou que o comportamento do Estado com relação às comunidades quilombolas é uma escolha política, não algo decorrente de problemas técnicos ou orçamentários. “Deixar as comunidades sem acesso à água para que elas abandonem os territórios, isso é inadmissível. Isso não é migração, é uma expulsão”, afirmou.

Andréia de Jesus também criticou o governo por tentar a privatizar a Copasa e regionalizar a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG).

Para a deputada, a regionalização é uma forma do governo estadual passar para os municípios a atribuição de garantir o abastecimento de água e o saneamento. “Tudo que ele quer é terceirizar e privatizar”, condenou.

A defensora pública estadual Ana Cláudia Storch defendeu que, antes de qualquer privatização de serviços relacionados à água, é necessário estendê-los às comunidades mais pobres. “Privatização, antes da universalização, é penalizar ainda mais as comunidades tradicionais. Isso é um abuso do direito”, afirmou.

Pesquisador do Instituto René Rachou, da Fiocruz, Léo Heller frisou que o semiárido mineiro tem muitas entidades públicas atuando na região, sem uma ação efetiva. “É estarrecedor quando vemos a dependência de caminhões-pipa. Ter que buscar água de má qualidade em lagoas distantes. Vi situações parecidas com essa na África, e não em outros países que têm um nível de desenvolvimento comparável ao do Brasil. O que não é admissível é essa lacuna, essa omissão, essa invisibilidade do Estado nessas regiões”, lamentou. 

Por sua vez, o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marcelo da Fonseca, informou que o órgão atuou para flexibilizar normas para construção e uso de pequenas barragens e poços tubulares no Norte e Nordeste de Minas. Ele acrescentou que o Estado está elaborando um Plano Mineiro de Segurança Hídrica e defendeu a divisão do território em blocos, tendo em vista as atividades de abastecimento de água, saneamento e drenagem. “Os blocos estão sendo pensados para ter viabilidade econômica”, disse.

Já a superintendente estadual da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Edicleusa Moreira, afirmou que o órgão está aberto para receber representantes das comunidades quilombolas.

——————
Quer receber as notícias do Aconteceu no Vale em primeira mão? Siga-nos no Facebook @aconteceunovale, Twitter @noticiadosvales e Instagram @aconteceunovale.

1 COMENTÁRIO

  1. Na década de 70 as empresas devastaram o vale, invadiram terras, acabaram com o bioma do vale, plantaram eucalipto, apenas o jornal Folha de São Paulo documentou, nenhum jornal de Minas se manifestou, tai o resultado, a água acabou…… Eu participava de um grupo de jovens em Araçuaí e nós reproduzíamos as reportagens da Folha de São Paulo…..

Deixe um comentário para Antonio Dimas Guedes Otoni Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui