Muito se fala que o Aedes aegypti vem evoluindo ao longo dos anos. Além de sua versatilidade em transmitir diversas doenças como dengue, chikungunya, zika e febre amarela, entre outras, a capacidade de o mosquito se adaptar no cenário urbano também chama a atenção. Se antes era sabido que a fêmea só se reproduzia em água limpa e parada, estudos de hoje já comprovam que os ovos também podem se desenvolver em água suja.
Uma outra questão diz respeito à gestão adequada de resíduos sólidos e sua relação com a ocorrência de dengue, tema de estudo desenvolvido por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Instituto René Rachou – Fiocruz Minas e Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Fruto dessa pesquisa é o artigo publicado na Revista Panamericana de Saúde Pública (OPAS) / Organização Mundial da Saúde (OMS), na semana passada. O objetivo é demonstrar a relação entre os indicadores de gestão de resíduos sólidos e socioeconômicos com os índices de dengue nos municípios de Minas Gerais.
Para o pesquisador da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, Marcos Mol, o propósito era identificar se a presença das doenças poderia ser explicada pela gestão de resíduos e, a partir daí, o que era possível afirmar dessa associação.
“O nosso modelo mostra que a relação entre a gestão municipal de resíduos e a presença da dengue é relevante, comprovada pelo modelo estatístico. Com isso, contribuímos para fortalecer a evidência de que o saneamento básico é, de fato, muito importante para a saúde dos indivíduos”, afirmou o pesquisador.
Variáveis
Segundo os autores do estudo, variáveis foram consideradas a partir da premissa de que o processo saúde/doença deve considerar diferentes determinantes nos aspectos social, econômico e ambiental. Dados de indicadores socioeconômicos, de doenças transmitidas pelo Aedes – dengue, chikungunya e zika – e de gestão de resíduos sólidos foram analisados. E é justamente a abrangência de dados o diferencial desse trabalho.
“Existem muitos estudos que são locais, mostrando essa mesma relação, porém em determinadas regiões de um dado município, por exemplo. Já o nosso trabalho contemplou uma base de dados maior, com todos os 853 municípios do estado, permitindo assim uma análise estatística também mais robusta”, ponderou o pesquisador.
Conclusões
A pesquisa mostrou que não há associação entre gestão de resíduos sólidos e incidência de chikungunya e zika. Por sua vez, foram encontradas associações significativas na gestão dos resíduos sólidos e a incidência de dengue.
A variável de Gini, que mede o grau de concentração de renda domiciliar per capita, apresentou uma associação direta, sugerindo que quanto maiores são os valores de Gini dos municípios, ou seja, maior a desigualdade social, maiores são os registros de incidência de dengue.
Já a cobertura da coleta seletiva apresentou relação inversa e significativa com os casos de dengue, sugerindo que quanto menor a cobertura da coleta seletiva, maiores foram os casos registrados de dengue.
Por fim, a variável Percentual de Vulneráveis à Pobreza apresentou uma relação inversa significativa, mostrando que existem fatores socioeconômicos e até históricos que estão além dessa variável e que podem interferir no resultado final.
“A maior implicação prática desse trabalho é reforçar a importância de uma cobertura adequada de saneamento. Infelizmente, os dados atuais mostram uma lacuna nesse quesito, com muitos municípios brasileiros ainda com precariedade na coleta e tratamento de resíduos e de efluentes líquidos. Não podemos perder de foco o desafio da universalização do saneamento. Nesse sentido, o estudo agrega força para justificarmos, cada vez mais, essa solução o quanto antes”, enfatizou o pesquisador da Funed, Marcos Mol.
O pesquisador frisou ainda que a participação efetiva e próxima da sociedade na tomada de decisões é fundamental para que as ações não sejam meramente técnicas, mas que tenha adesão dos atores que vão demandar essa solução.
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