Depois de transbordar e inundar ruas e casas ribeirinhas de Governador Valadares, no Leste do Estado, o rio Doce voltou para o leito deixando um rastro de lama que virou poeira. A preocupação dos moradores agora é saber se esse material, composto pelos rejeitos da barragem rompida da Samarco em Mariana, pode trazer algum problema à saúde.
O professor de recursos hídricos da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Alexandre Sylvio, garante que faz. Segundo ele, vários estudos e trabalhos científicos realizados com os rejeitos das barragens em Mariana indicam um predomínio de partículas minerais extremamente finas como as argilas e siltes com uma menor proporção de areia fina.
“Basicamente são óxidos de ferro, de silício e um pouco de óxido de alumínio”, explica o professor que tem pós-doutorado em Geociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e traz no currículo a coordenação da Câmara Técnica de Gestão de Eventos Críticos (CTGEC) do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Doce (CBH-Doce) e de Meio Ambiente do Crea-Minas.
Os trabalhos demonstram também, segundo ele, a presença de metais pesados como o chumbo, cádmio, mercúrio e outros, mas em níveis muito baixos, não comprometendo a qualidade do rejeito. No entanto, entre eles esta um elemento preocupante: o arsênio, material absorvido pelo organismo humano principalmente por inalação e ingestão e que pode provocar doenças a médio e longo prazo.
“É comum encontrar na região um mineral chamado arsenopirita que durante o processo de mineração libera o arsênio. Diversas barragens de rejeitos de mineração na região apresentam elevados níveis de arsênio, um metal extremamente tóxico e perigoso, não apenas da Samarco”, ressalta.
De acordo com o professor, este elemento foi detectado em grandes concentrações na pluma inicial que desceu o rio Doce, no momento em que mais desceu partículas minerais das barragens. Agora o nível de particulados na água reduziu, os níveis de arsênio também, o que favoreceu o tratamento da água.
Outro fator favorável foi o efeito diluição, pois de Mariana para cá dezenas de afluentes deságuam no rio Doce favorecendo a diluição do arsênio. Mas com as cheias em Valadares, estas partículas minerais e seus elementos químicos que estavam restritos as águas do rio, diluídos, foram transferidos para as ruas e casas da cidade.
Segundo ele, como a água nas ruas e casas fica quase que estagnada este material em suspensão tende a depositar e quando as águas retornam para o leito do rio deixam para trás a lama e estas partículas de rejeitos que voltam a ficar concentradas.
“O contato com a lama pode até não trazer problemas de saúde pois a pele é uma estrutura de pouca absorção, apenas irritações. Mas como são partículas muito finas, ao secarem e com o movimento das pessoas e veículos irão ficar em suspensão, criando uma poeira que será inalada e que poderá trazer problemas agudos de saúde pois as ações metabólicas no pulmão são rápidas”, explica.
Na lista de doenças provocadas pelo arsênio estão o câncer e complicações nos rins e fígado. O ideal, de acordo com Alexandre Syvio, é que os moradores lavem rapidamente a lama e evitando que seque. O indicado e usar água comum porque os produtos químicos de limpeza podem acarretar reações químicas.
Outro problema da lama é a presença de esgoto diluído que leva bactérias patogênicas para as casas. “Os moradores devem utilizar desinfetantes e produtos químicos após a retirada da lama para matar as bactérias patogênicas do esgoto”, ensina. Um dos indicados e o cloro, produto que foi distribuído pela prefeitura.
“Tem duas semanas que a agua voltou para o rio e até hoje minha rua não foi lavada”, reclama a comerciante Mariuza Paula Monteiro, de 55 anos, do bairro Nova Santa Rita. Na rua, a Nacle Miguel Habib, há montes de lama seca espalhados por todo o quarteirão. “Limpei a minha porta, mas não adiantou porque os carros passam levantando poeira”, diz contando que além dela, alguns vizinhos reclamam de diarreia, dor de cabeça e gripe alérgica.
A professora Ortemica Correira, de 42 anos, que mora na rua João Rosa, uma paralela do bairro que não e calcada, também reclama. A agua chegou a quase um metro e a rua de terra não pode ser lavada. A janelas da casa estão sendo mantidas fechadas, mesmo assim, as duas filhas e o marido estão sempre com a garganta ressecada e gripados. – Essa poeira esta fazendo muito mal pra todo mundo. Pra piorar, ainda peguei zika -, garante.
No bairro São Tarcísio, as margens do rio Doce, antes área de lazer para as crianças, ficou comprometida. Segundo a dona de casa Maria José Pinto, de 39 anos, além da terra que ficou preta por causa do minério que chegou misturado a lama, a poeira que vem da rua também preocupa. – A prefeitura ate que lavou a rua aqui, mas não adiantou nada-, analisa a baba Maria das Graças Oliveira, de 51 anos.
Poeira preocupa moradores de Governador Valadares (Foto: Leonardo Morais / Hoje em Dia)
Toxicidade
A Samarco informou, por meio de nota, que tem apoiado a Prefeitura na lavagem das ruas para que o problema seja solucionado o mais breve possível. Sobre o rejeito proveniente da barragem de Fundão, disse que ele foi analisado pela SGS Geosol – empresa especializada em análises ambientais e geoquímicas do solo e o laudo confirma que o material não é tóxico, corrosivo ou inflamável, e não oferece perigo para as pessoas, com base na classificação da periculosidade do material (ABNT 10.004).
As amostras foram colhidas em diversos pontos próximos ao local do acidente para melhor representar o rejeito que havia nas barragens. Essas análises mostraram que o rejeito não é tóxico e não apresenta periculosidade à saúde humana, tendo em vista que não disponibiliza contaminantes para a água, mesmo em condições de exposição à chuva, diz a nota.
A Samarco informou ainda que relatório divulgado recentemente pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) comprova que o Rio Doce não está contaminado. As concentrações de metais como arsênio, cromo, cobre, chumbo, zinco e mercúrio reproduzem os mesmos valores encontrados na pesquisa divulgada em 2010 pelo CPRM e pela ANA (Agência Nacional das Águas), antes da passagem da pluma de turbidez, diz a nota.
Os resultados de ânions na água coletada também são similares aos obtidos pela pesquisa em 2010. As amostras apresentadas confirmam que, em estações ao longo do rio Doce nos anos de 2010 e 2015, as diferenças verificadas nas amostras de água não são significativas. A metodologia das análises utilizada pela CPRM segue procedimentos técnicos internacionais, afirma a mineradora.
Enchentes
A mineradora lembra que, historicamente, enchentes são comuns durante o período do verão em Valadares. Em 2012, a cidade enfrentou a terceira pior enchente da história, quando o nível do rio Doce ultrapassou os 4,13 metros. A maior enchente já registrada na cidade ocorreu em 1979, quando o Rio chegou a 5,18 metros; seguido pela enchente de 1997, que marcou 4,77 metros na régua do SAAE.
A Prefeitura de Valadares informou que esta lavando as ruas com água de mina e oferecendo cloro a população.
(Fonte: Hoje em Dia / Repórter: Ana Lúcia Gonçalves)