A economia de Governador Valadares, com cerca de 300 mil habitantes, não é a única a surfar nas ondas dos valadólares: a remessa da moeda americana também garante empregos e renda em dezenas de cidades de pequeno porte do Vale do Leste de Minas. A população de muitas delas ficou menor, nas últimas semanas, em razão da disparada do dólar no acumulado deste ano.
“Tem muita gente indo para os Estados Unidos”, esclareceu Luiz Henrique Ribeiro da Silva, de 20 anos. Ele próprio embarca esta semana para Boston. “Será a primeira vez que pisarei nos Estados Unidos. Fiz o acerto no emprego – eu cuidava de gado – e vendi até o aparelho de telefone celular. Vou trabalhar na marmoraria de um tio”, acrescentou o jovem.
Eneidson Celestino com o filho Igor – Foto: Juarez Rodrigues / EM
Luiz não domina o idioma de Barack Obama, mas avalia que isso não será entrave ao seu crescimento profissional. “Na hora do aperto, a gente aprende a falar tudo. Tenho vontade de crescer na vida, de ser dono do meu próprio negócio”, justifica o rapaz, que já se despediu de muitos amigos e parentes de Fernandes Tourinho, uma pacata cidade cercada por montanhas e com aproximadamente 3,2 mil moradores.
É difícil encontrar no lugarejo uma família em que pelo menos um parente não more ou tenha ido aos Estados Unidos para juntar boa grana e retornar à terra natal para investir na economia local.
“Na década de 1990, fizemos um levantamento nas casas da área urbana – cerca de 800 residências – e constatamos que todas tinham pelo menos um familiar nos Estados Unidos”, disse o funcionário público Fábio Luiz Ramos, que mora na mesma rua que Eneidson José Celestino, de 36.
O vizinho do servidor público morou nos Estados Unidos de 2004 a 2008, quando ocorreu a chamada bolha imobiliária americana. O rapaz planeja retornar a Massachusetts, diante da disparada do dólar, mas também em razão do aumento do custo de vida no Brasil. “Conseguia tirar, como ajudante em cozinhas de restaurantes, US$ 4 mil (R$ 12 mil) por mês. Aqui, como servente de pedreiro, ganho mais ou menos R$ 1,5 mil (US$ 500)”.
Leandro Vilas Novas se despede do amigo Luiz Henrique – Foto: Juarez Rodrigues / EM
PESO DOS TRIBUTOS
No período em que esteve por lá, Eneidson comprou uma BMW. “Paguei US$ 50 mil. Aqui ela vale muito mais, por causa dos impostos.” A carga tributária no Brasil é de tirar o fôlego, como mostra um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT): a soma de todos os tributos no país correspondeu, em 2014, a 35,42% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas da nação. Nos Estados Unidos, esse percentual é de 24,3%.
“Lá, há melhor segurança, melhor educação, melhor saúde”, acrescentou o rapaz. O retorno do imposto que a população honra com o poder público também foi medido pelo IBPT por meio de um indicador batizado de Índice de Retorno de Bem-estar à Sociedade (Irbes), que compara a relação carga tributária e PIB com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O levantamento foi feito com indicadores de 30 países. Nas cinco edições, o Brasil ficou em último lugar. Os Estados Unidos, na mais recente, aparece na liderança.
“A carga tributária no Brasil é um absurdo. A cada venda de R$ 150 que faço em gasolina, o cliente paga R$ 60 em impostos”, lamentou Gilson Souza, de 42, morador de Capitão Andrade, com cerca de 5 mil habitantes. Ele passou 12 anos nos Estados Unidos, aonde, conta, foi “com uma mão na frente e outra atrás”. “Fui como carpinteiro e consegui minha própria empresa.” No retorno ao Brasil, aplicou o que ganhou em terras, numa lanchonete e num posto de combustível.
Nesse último, emprega três colaboradores. O aumento do custo de vida no país refletiu em seus negócios: “A venda do diesel, por exemplo, caiu em torno de 40% comparando os cinco primeiros meses deste ano e o mesmo período de 2014.” O diesel, por ser combustível usado principalmente em caminhões, é uma espécie de termômetro da economia nacional.
Gilson, como vários moradores do Vale do Rio Doce que já moraram nos Estados Unidos, planeja retornar à América.
Dólar alto atrai bico
Capitão Andrade – A alta do dólar favorece a renda de quem pensa em passear e fazer bicos nos Estados Unidos, como dona Francisca Pereira, de 67 anos e que recebe um salário mínimo de aposentadoria. “Vou vender salgados. Acredito que vá ganhar três vezes mais lá.”
Ela está com viagem marcada para junho para a Flórida, onde visitará parentes. Francisca já morou em Boston, onde foi cozinheira: “Recebia US$ 600 por semana em 2012”.
A economia que fez na terra do Tio Sam lhe possibilitou construir a casa em que mora hoje, no Centro do pacato lugarejo, onde Gilmar Sxarabelli, de 37, tem um posto de combustíveis. Ele embarcou para Nova Jersey há dois meses.
O empresário morou 11 anos nos Estados Unidos e retornou em 2009, no auge da crise econômica mundial. Depois de ganhar a vida como carpinteiro e na limpeza de residências, investiu os dólares no empreendimento. A alta do dólar o atraiu novamente para lá.
“A moeda americana está muito valorizada em relação ao real. É uma boa oportunidade para ele fazer um bom investimento aqui”, concluiu dona Edmara, esposa de Gilmar. “O que fica é a saudade minha e do nosso filho”, pondera a mulher, responsável pelo posto de combustíveis na ausência do marido.
Geraldo ainda vive em casa construída no modelo norte-americano – Foto: Juarez Rodrigues / EM
Herança dos gringos
Governador Valadares – Parte da arquitetura da maior cidade do Vale do Rio Doce era bem diferente da de hoje na década de 1940, quando engenheiros americanos foram a Governador Valadares para trabalhar na expansão da estrada de ferro Vitória–Minas. No bairro conhecido como Acampamento da Vale, havia dezenas de casas de madeira, construídas de acordo com a arquitetura daquele país.
O tempo passou e muitas foram jogadas ao chão. Deram lugar a residências mais modernas e prédios. Três delas, porém, resistem ao tempo na Rua Tenente Coronel Francisco Rodrigues. É lá que moram o médico Geraldo Vieira Rosa, de 65 anos, e sua mãe, dona Iris, de 88.
“Havia mais de 20 casas nesta rua com o mesmo estilo”, lamenta o homem enquanto mostra uma fotografia antiga. O pai dele trabalhou na empresa ferroviária. A fama dos valadólares também atraiu uma das irmãs do médico, que mora nos Estados Unidos há duas décadas.
(Fonte: Jornal Estado de Minas)
