Desastres como o de Brumadinho poderiam ser evitados com planejamento, gestão, fiscalização e regulação adequados, diz MPMG

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Quinta-feira, 5 de novembro de 2015: a barragem de Fundão, parte do Complexo de Germano, pertencente à mineradora Samarco, se rompe ocasionando o vazamento de aproximadamente 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos que, depois de destruir comunidades e matar 19 pessoas, segue por cerca de 700 km deixando um rastro de destruição pela bacia do rio Doce até o oceano Atlântico.






Sexta-feira, 25 de janeiro de 2019: uma barragem da Mina do Feijão, da mineradora Vale, se rompe lançando 12 milhões de metros cúbitos de rejeitos morro abaixo. Até o momento, são 65 mortes confirmadas, 292 desaparecidos, além de muitos feridos e desabrigados, comunidades destruídas. A lama segue pelo leito do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco e, segundo estimativas, deverá percorrer 310 km até a Usina de Retiro Baixo, em Pompéu.

Em um intervalo de pouco mais de três anos, Minas Gerais sofreu com duas grandes tragédias ambientais e humanas em consequência da mineração. Antes disso, já havia ocorrido outros desastres, menos divulgados porque foram de menor porte, mas não menos importantes para acender o alerta para os perigos de uma atividade minerária sem rigorosos critérios de segurança.

A mineração é uma das principais atividades econômicas do estado, gerando importantes receitas e milhares de postos de trabalho. Diante deste quadro, como conciliar a mineração com a segurança da população e a preservação ambiental? Por que os desastres envolvendo barragens de mineração se repetem no estado?

Segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caoma) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotora de Justiça Andressa de Oliveira Lanchotti, esses desastres são o resultado de problemas de planejamento, gestão, fiscalização e regulação da atividade minerária.

Deficiências de planejamento

Para Andressa Lanchotti, falta planejamento adequado para as estruturas de disposição de rejeitos de mineração. Segundo ela, hoje é possível licenciar operações de mineração por um longo período de tempo apontando soluções técnicas para disposição dos rejeitos por períodos muito mais curtos. Pode-se ter, por exemplo, uma licença para operar em uma mina por 20 anos com previsão de destinação dos rejeitos por apenas dois anos. Então, no curso da operação, vão se apresentando novas propostas, como o alteamento das barragens.

“A não exigência pelos órgãos licenciadores de um planejamento de longo prazo para os sistemas de disposição dos rejeitos de mineração tem permitido a implementação de soluções apressadas e de maior risco. Essas soluções podem implicar em alteração do projeto original das barragens, em utilização de métodos de alteamento menos seguros e no emprego de materiais construtivos inadequados. Tais medidas, em conjunto ou separadamente, têm sido causas de vários desastres envolvendo barragens de mineração ocorridos no Brasil e no mundo”, afirma a promotora de Justiça.

Deficiências de gestão

A sustentabilidade, princípio e objetivo constitucional no Brasil, deve estar calcada em três componentes: econômico, social e ambiental. Para a coordenadora do Caoma, “infelizmente, o componente econômico vem ditando as regras nas ações de desenvolvimento em nosso país, relegando a segundo plano as questões sociais e ambientais envolvidas, o que se reflete também na atividade de mineração. Medidas de prevenção não são adequadamente implementadas; áreas de grande interesse ambiental e de maior potencial de risco de desastres são indevidamente exploradas; o impacto à vida das comunidades tradicionais e das populações vizinhas aos empreendimentos é desconsiderado”. Assim, falhas de gestão dos projetos de mineração vêm deixando todos, inclusive o próprio setor de mineração, vulneráveis à ocorrência de novos desastres socioambientais.

Deficiências de fiscalização

Andressa Lanchotti explica que a necessidade de monitoramento e fiscalização das barragens é constante. No entanto, por questões de deficiência estrutural dos órgãos públicos de controle, a fiscalização dessas estruturas não acontece com a periodicidade e da maneira adequada. Para suprir essa lacuna, adota-se hoje o automonitoramento, no qual o controle é feito pelas próprias empresas, que apresentam relatórios e auditorias periódicas, que nem sempre retratam a realidade do empreendimento. “É preciso valorizar e aprimorar os órgãos públicos de controle da mineração para que haja gestão adequada dos riscos e prevenção de novos desastres”, alerta.

Deficiências de regulação

Em 2016, o MPMG capitaneou o projeto de lei de iniciativa popular “Mar de Lama Nunca Mais” (PL 3.695/2016), que contou com mais de 55 mil assinaturas. Entre as principais mudanças propostas pelo projeto estão: exigência do uso das melhores técnicas disponíveis para a disposição dos rejeitos de mineração e de caução ambiental e proibição do alteamento a montante – apontado por técnicos como o método de maior risco –, e da construção de novas barragens quando identificadas populações em áreas onde não haveria tempo hábil para a ação das autoridades em caso de desastre, as chamadas zonas de autossalvamento. No entanto, o projeto foi rejeitado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

No mesmo ano, foi ajuizada ação para proibir o Estado de conceder ou renovar licenças ou autorizações que envolvam instalações ou ampliações de barragens de rejeitos de mineração, baseadas na técnica de alteamento a montante. Na ação, o MPMG ressalta que a construção de barragens seguindo essa técnica é, entre outras disponíveis, a que gera menos custos para o empreendedor, mas, ao mesmo tempo, a que implica mais riscos de rompimento e, consequentemente, de danos ambientais e sociais.

O mecanismo causou a ruptura de, pelo menos, cinco barragens: de Fernandinho (Itabirito), de Macacos (Nova Lima), a B1 da Herculano Mineração (Itabirito), de Fundão (Mariana) e, agora, do Feijão (Brumadinho). De acordo com o Centro de Apoio Técnico (Ceat) do MPMG, existem diferentes possibilidades técnicas, as quais devem ter sua implementação exigida por causarem menos impactos ambientais e sociais em comparação com a de alteamento a montante, como tecnologias com desaguamento, o empilhamento drenado, a disposição de rejeitos finos com secagem, a disposição de rejeitos em forma de pasta (paste tailings) e as tecnologias considerando a reciclagem dos rejeitos.

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(Fonte: MPMG)

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