Ela era a alegria de todos: a dor da família da criança dada por morta antes da hora após ataque em Janaúba

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Cecília Davina Gonçalves Dias gostava de plantar, brincar de dar comida para as bonecas e vestir a camiseta do Galo (apelido do Atlético Mineiro) para então sair pulando pela casa: “sou o galo doido!”, dizia, provocando risadas nos pais, no tio e na avó, com quem morava – a única criança na casa de gente grande.

“A Cecília podia estar com 40 graus de febre, mas nunca estava triste. Sempre estava alegre, correndo”, disse o pai, Adilson de Almeida Gonçalves, de 25 anos, ao lado do pequeno caixão da única filha. “A gente vai chorar e sofrer muito, mas só peço para vocês lembrarem desse rostinho. Só disso. Lembrem a alegria dela.”

A menina de 4 anos foi velada e sepultada neste sábado em Janaúba, cidade no norte de Minas, após o incêndio criminoso na creche Gente Inocente, que deixou 47 pessoas feridas e matou outras dez – a décima vítima, Talita Vitória Bispo, de 4 anos, morreu na manhã de sábado.

Cecília chegou a ser dada por morta antes da hora. O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais divulgou sua morte na noite de quinta-feira, depois que ela teve uma parada cardíaca, e só desmentiu a notícia na manhã do dia seguinte.

“Nós começamos a arrumar a casa para o velório, a minha irmã desesperou, e amigos e vizinhos começaram a chegar para o velório, e todo mundo me pedindo informações pelas redes sociais”, lembra seu tio, o técnico em segurança do trabalho Erick Medeiros Dias. Até que a mãe de Cecília avisou que estava tudo bem e que ela tinha visto a filha.

“Ela era a alegria de todo mundo por onde passava. Vai fazer muita falta. Já está fazendo muita falta. Não dá para acreditar que ela se foi”, afirma Dias.

Cecília morreu às 13h15 de sexta-feira, sucumbindo às queimaduras e ao estrago feito em seus órgãos por inalar a fumaça tóxica do fogo ateado na creche.

Cecília chegou a ser dada por morta antes da hora (Foto: Arquivo Pessoal)

Um quarto para as bonecas

Todos os alunos mortos na creche foram velados por suas famílias dentro de casa, muitas vezes madrugada adentro, como o velório de Cecília.

Seu corpo chegou em casa logo depois da meia-noite. A família praticamente não dormiu. O movimento de vizinhos, parentes e amigos começou de madrugada e continuou até a hora do enterro, às 11h30.

O caixão foi colocado no centro de uma sala de paredes cor-de-rosa, com fotos da menina com roupas também cor-de-rosa. Seus olhos castanhos arregalados nas imagens fitavam quem chegava.

Cecília morava na casa da avó com seus pais e seu tio, em uma casa simples no bairro de Rio Novo, perto da creche, na periferia da cidade. É uma região de baixa renda, com construções de baixo custo, comércio barato e ruas de terra.

Logo na entrada, pilhas de tijolo, brita e telhas estavam dispostos nas laterais do quintal. A família estava prestes a começar uma obra para acrescentar três cômodos à casa.

“Ela sempre dormiu comigo e com a minha esposa, mas a gente ia construir um quarto para ela”, conta o pai Adilson Gonçalves. “Ela estava feliz da vida que ia ter o cantinho dela com as bonecas.”

Cecília é uma das vítimas do vigia Damião Soares (Foto: Arquivo Pessoal)

Rosto perfeito

Todos na família trabalham o dia todo e por isso Cecília estava matriculada no período integral. O pai é funcionário em uma empresa terceirizada da Ambev, a mãe é supervisora da Avon, a avó é empregada doméstica.

“Eu estava trabalhando na hora que aconteceu. Um amigo meu ligou para avisar. Eu corri de volta para casa, mas ela já estava no hospital”, lembra Gonçalves.

O pai viu a filha na manhã antes de ela morrer, no hospital, dormindo, sedada. “Fiquei feliz. Foi bom.” Ele não chegou a ver os ferimentos. “Ela ficou com as costas muito queimadas. Mas o rosto dela estava perfeito.”

Quase cem pessoas estavam no velório quando o cortejo estava perto de sair. Lanches e refrescos foram servidos em uma mesa de plástico no quintal. Um grande toldo protegia as pessoas do calor implacável do norte de Minas. Chuva, por lá, só a partir de dezembro, dizem os moradores de Janaúba.

João Alves de Carvalho Filho, pastor da Igreja Videira, frequentada regularmente pela família, encerrou sua prece pedindo para todos cantarem uma das músicas preferidas de Cecília, “Meu Barquinho”. A canção evangélica diz: “Não temo mais o mar, pois firme está minha fé/ No meu barquinho está, Jesus de Nazaré/ Se o medo me cercar, ou se o vento soprar/ Seu nome eu clamarei, Ele me guardará.”

Na mesma hora, a algumas quadras dali, acontecia o enterro de Yasmin Medeiros Salvino, de 4 anos, que também morreu na sexta-feira. As duas foram sepultadas em covas lado a lado no Cemitério São Lucas.

Adilson conta que ele e o resto da família agora vão ter atendimento psicológico para aprender a lidar com a perda de Cecília. “No mais, é seguir a vida”, diz. “Eu sei que ela lutou muito. O espírito dela vai continuar aqui, lutando, brincando e pulando do mesmo jeito que fazia”, diz.

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(Fonte: BBC Brasil, via G1 Grande Minas)

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