MPF ajuíza ações de improbidade contra ex-prefeita de Governador Valadares e mais 28 investigados na Operação Mar de Lama

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O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou três ações de improbidade contra 29 pessoas, físicas e jurídicas, por envolvimento num esquema de corrupção em Governador Valadares/MG, em que servidores públicos, em conluio com empresários, praticaram de forma reiterada e sistemática fraudes a procedimentos licitatórios e desvio de recursos públicos em troca do recebimento de vantagens indevidas.

As investigações, conduzidas pelo MPF em parceria com a Polícia Federal e a então Controladoria-Geral da União (CGU), culminaram na Operação Mar de Lama, realizada em oito etapas nos meses de abril a agosto do ano passado. As apurações desvendaram ilegalidades praticadas com recursos públicos federais provenientes de Termo de Compromisso firmado com o Ministério da Integração Nacional no valor total de R$ 4.707.280,80.

Os recursos públicos federais tinham o objetivo de socorrer a cidade, que, no final do ano de 2013, havia sido assolada por fortes chuvas: a população sofreu com inundações de áreas urbanas e rurais, quedas de pontes e danificação de outros bens públicos em diversos pontos do município, além do acúmulo de lama, lixo e entulho nos pontos que foram alagados.

Para a aplicação da verba, a prefeitura municipal, através de suas secretarias e órgãos, realizou diversos procedimentos de dispensa de licitação, entre eles o Processo Administrativo de Compras nº 167/2014 e a Dispensa de Licitação nº 24/2014, que resultaram na celebração de contrato, respectivamente, com a empresa MRT Engenharia e Construções Ltda, no valor de R$ 189.200,00; e com a empresa Prefisan Ltda., no valor de R$ 713.370,38.

Em ambos os casos, a dispensa de licitação foi realizada fora das hipóteses legais, uma vez que não estavam presentes os requisitos que autorizam a contratação direta. Também não foram observadas as formalidades legais para regular a dispensa de licitação, tendo em vista que todo o processo não passou de mera simulação destinada a favorecer as empresas contratadas e dar ares de legitimidade a algo absolutamente ilegal. Além disso, grande parte dos recursos públicos foram desviados mediante superfaturamento dos serviços prestados.

No contrato com a MRT Engenharia, o objeto era a locação de duas escavadeiras hidráulicas com motor a diesel sobre esteira, incluindo também fornecimento de combustível, manutenção, operação e transporte. Ocorre que tais serviços não se caracterizam como ação de socorro, assistência às vitimas ou restabelecimento de serviços essenciais, e, portanto, não poderiam ter sido utilizados recursos federais que tinham sido destinados especificamente a essa finalidade.

O contrato com a Prefisan Ltda, por sua vez, previa a execução de serviços para restabelecimento de vias, remoção de entulhos e a escavação de jazida localizada na Rua Soldado Edson Veloso, bairro Santos Dumont, com carga, descarga e transporte do material de base. E, mais uma vez, esse objeto estava contrário ao que define a Secretaria de Defesa Civil (SEDEC) como ação emergencial (item VIII, do art. 2º do Decreto nº 7.257, de 04/08/2010).

Para o MPF, nenhum dos contratos se destinava a qualquer situação emergencial que pudesse justificar a dispensa de licitação prevista pela Lei 8.666/93. A própria data em que foram celebrados corrobora esse entendimento, pois os contratos foram firmados quase cinco meses após a situação de emergência decretada pelo município.

O acerto entre os réus para a contratação direta da MRT Engenharia e da Prefisan Ltda ficou evidenciado ainda, segundo as apurações, pelas falhas grosseiras na montagem dos respectivos processos administrativos.

Para exemplificar, as ações citam duas ocorrências: no caso do procedimento envolvendo a Prefisan, é citado o Ofício G.A 019/20141, com data de 10/01/2014, assinado pelo secretário municipal de obras Edmilson Soares, relacionando e encaminhando à empresa cópia do Decreto nº 9.967 que somente seria publicado mais de um mês depois, em 06/02/2014. Já a proposta apresentada pela MRT possui exatamente o mesmo valor estimado pela Prefeitura de Governador Valadares/MG, o que indica que seu representante José Márcio Manoel teve ciência prévia e indevida da estimativa do município – ou, o que é mais provável, o próprio empresário elaborou a estimativa de preços para o município.

Segundo o MPF, nos dois processos de dispensa, as propostas apresentadas, na pesquisa de preço, por três fornecedores distintos, não teria passado de “uma simulação, que contou com a colaboração de empresas parceiras nas ilegalidades descortinadas pela Operação Mar de Lama”.

A falta ou a apresentação de projeto básico deficiente e insuficiente para caracterizar de forma satisfatória a obra a ser executada também caracterizou o esquema.

Para os investigadores, essa falha chega a ser proposital, já que dificulta a delimitação do objeto do contrato, tornando “a contratação vulnerável ao superdimensionamento e superfaturamento de serviços, além de dificultar a atuação dos órgãos de fiscalização”. Isso porque, como o objeto não está devidamente identificado, a fiscalização fica impedida de aferir os quantitativos levantados nas planilhas para compará-los com o projeto realmente executado.

Ainda assim, os fiscais da CGU apuraram que teriam sido desviados ao menos R$ 445.328,08 do contrato firmado com a empresa Prefisan Ltda. e R$ 189.020,00 do contrato com a MRT Engenharia.

“Custo político”

A terceira ação de improbidade trata de irregularidades na execução de um Contrato de Financiamento, no valor de R$ 1.510.124,17, firmado entre a prefeitura e a Caixa Econômica Federal para serviços de desassoreamento da Lagoa do Pérola.

A licitação, realizada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto, uma autarquia municipal, foi vencida pela empresa Fejoli Florestal, e também nesse caso agentes públicos receberam vantagem indevida oferecida por empresários a fim de favorecê-los na licitação e contratação. A propina era chamada de “custo político” e seu valor correspondia a 5% do contrato.

O modus operandi era o mesmo: licitação simulada, propostas fictícias, superfaturamento e desvio do dinheiro.

Durante as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça Federal em Governador Valadares, foi possível mapear toda a rotina dos acusados, inclusive com a distribuição e pagamento das propinas aos agentes públicos envolvidos.

Responsabilidades

As ações individualizam as responsabilidades de cada acusado, esclarecendo sua participação no esquema.

A ex-prefeita da cidade, Elisa Costa (PT), irá responder pelos atos de improbidade administrativa praticados em sua gestão, porque foi ela quem assinou a solicitação dos recursos, as autorizações de dispensa de licitação e os contratos assinados com a MRT Engenharia e com a Prefisan Ltda.

Elisa Costa tinha pleno conhecimento de que os serviços contratados não poderiam ser custeados com os recursos federais, já que não haviam sido aprovados pela Secretaria de Defesa Civil e sequer constavam do Plano Detalhado de Resposta.

Segundo o MPF, “mesmo que a prefeita nada soubesse dos atos criminosos praticados pelos servidores do mais alto escalão da prefeitura, todos de sua confiança e por ela própria nomeados, depois de saber que não estava autorizada a aplicar os recursos, ela insistiu junto à SEDEC para que as metas aprovadas fossem substituídas. E diante do indeferimento pelo órgão federal, ainda assim assinou os contratos. Ou seja, ela incorreu em ato de improbidade, porque a Lei 8.429/92 caracteriza como improbidade o ato capaz de influir de qualquer forma para a aplicação irregular de recursos públicos”.

O ex-diretor da SAAE, Omir Quintino Soares, pessoa de grande influencia política e poder perante os demais servidores municipais, foi apontado pelas investigações como líder do grupo. Ele também mantinha estreitas relações com os empresários envolvidos no esquema, encontrando-se com eles em datas que coincidiam com o desembolso dos recursos pela Prefeitura para o pagamento dos serviços contratados.

Uma das testemunhas afirmou que “Omir entrava em contato com os empreiteiros e avisava que o pagamento havia sido liberado para a empresa, e no mesmo dia, ou no máximo no seguinte, o dinheiro lhe era entregue em espécie”.

Outra figura central no esquema era a diretora do Departamento de Limpeza Urbana, Juliana Alves de Melo, que, além de se reunir com os representantes das empresas para tratar do recebimento das propinas, foi responsável, entre outros atos, pela fiscalização dos contratos, atestando falsamente a execução de obras e serviços não realizados.

Os demais agentes públicos – Edmilson Soares dos Santos, Orfeu Brandão Perim, Ranger Belisário Duarte, Seleme Hilel Neto, César Coelho de Oliveira e Nayara Fernanda Soares – também praticaram, cada um na sua esfera de atuação, atos que concorreram para o desvio dos recursos públicos.

O ex-procurador geral do município, Schinyder Exupery Cardozo, também é réu em duas ações. As investigações revelaram que ele era o responsável por dar suporte jurídico ao grupo, tendo inclusive presidido a comissão de licitação municipal. Outro dado revelador de sua participação está no fato de ter assinado um parecer apontando que não havia provas de situação calamitosa ou emergencial, requisito indispensável para autorizar a contratação direta, e, ao mesmo tempo opinar pelo prosseguimento das licitações desde que atendidas determinadas ressalvas. Some-se a isso o fato de ele ter assinado o Contrato firmado com a MRT Engenharia no mesmo dia em que confeccionou aquele parecer, indicando que já estava “ciente que as ressalvas ali feitas não seriam atendidas”.

As ações acusam de improbidade também todas as empresas participantes das licitações, incluindo as que só apresentaram propostas, mas não foram declaradas vencedoras. É que, conforme foi apurado, elas estavam cientes de que sua participação destinava-se apenas a dar ares de legalidade aos procedimentos, contribuindo, dessa forma, para a prática das ilegalidades. Seis pessoas jurídicas, 10 empresários e três engenheiros são réus nas ações.

Pedidos

Se condenados, os réus estarão sujeitos às sanções da Lei 8.429/92, entre elas, ressarcimento ao erário dos prejuízos causados pelos atos de improbidade, perda da função ou cargo público, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público e receber incentivos fiscais ou creditícios de instituições públicas.

Nas ações que envolveram recursos do Ministério da Integração Nacional, o MPF também pediu a decretação de indisponibilidade de bens dos acusados no valor total de R$ 4,2 milhões de reais e a condenação de todos os requeridos ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valores, que, somados, ultrapassam os R$ 6,3 milhões de reais. Na ação que tratou dos desvios de recursos provenientes da Caixa Econômica Federal, foi pedido bloqueio de R$ 226.500,00 dos bens pertencentes aos acusados.

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(Fonte: MPF em Minas)

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